MESA-REDONDA: IMAGEM E LITERATURA

24 DE SETEMBRO, 14h

MESA-REDONDA: IMAGEM E LITERATURA

 

Gertrud Bing, Aby Warburg e a Fortuna em texto e imagem

Daniela Kern (Instituto de Artes, UFRGS)

A imagem densa

Adalberto Müller (UFF)

Imagem, palavra, movimento: Rom, Blicke, de Rolf Dieter Brinkmann

Robert Schade (DAAD-UFRGS)

Cinara Ferreira (UFRGS) — mediação

 

Esta mesa apresenta, de modo transdisciplinar, constelações e interações entre imagem e literatura, bem como as modalidades de significação e as diferenças constitutivas desses dois. O conceito de imagem, que pode incluir, entre outras, pintura, fotografia, cinema, as novas mídias, mas também imagens mentais, turnou-se importante nas Ciências Humanas, particularmente com termos como iconic turn ou visual turn, que surgiram no século XX. Porém, práticas visuais contemporâneas reúnem vários campos, como as artes, as ciências exatas, mas também o poder das imagens na política.

Por décadas predominou uma competição entre as duas mídias, como podemos ver, por exemplo, no ensaio de Lessing Laocoonte, que definiu rigidamente os limites e fronteiras entre poesia e pintura. Artistas e historiadores da arte, porém, tentavam pensar em inter- ou transmidialidade, em formas híbridas ou de transferência entre as duas mídias, mas também através do tempo e entre culturas, como, por exemplo, no pensamento de Aby Warburg (Atlas Mnemosine).

 

Gertrud Bing, Aby Warburg e a Fortuna em texto e imagem

Daniela Kern

Gertrud Bing (1892-1964), historiadora da arte alemã que desde 1922 trabalhava na Kulturwissenschaftliche Bibliothek, compartilhava muitos interesses de pesquisa com Aby Warburg (1866-1929). Um deles é o da trajetória e significados da alegoria da Fortuna. Colaborando ativamente com a preparação do Atlas Mnemosine de Warburg, conhecia bem a prancha 48, dedicada ao mapeamento iconográfico da Fortuna. Em 1938, com a Biblioteca do Instituto Warburg já instalada em Londres em função da ascensão do nazismo na Alemanha, Gertrud irá publicar no Journal of the Warburg Institut um artigo intitulado Nugae circa Veritatem: Notes on Anton Francesco Doni, no qual rastreia a imagem da Fortuna que é usada para ilustrar uma das histórias do livro Moral Filosofia de Anton Francesco Doni (Veneza, 1552), que por sua vez reconta em italiano material da obra hindu Kalila e Dimna, traduzida para o árabe e depois para o latim.

O presente trabalho pretende analisar, tomando como exemplo a alegoria da Fortuna, de que modo Gertrud Bing dialoga em seu artigo com o legado warburguiano, sobretudo com o Atlas Mnemosine, ao estabelecer relações entre texto e imagem que apontam para a persistência de um motivo iconográfico clássico na ilustração da literatura renascentista.

Daniela Kern é historiadora da arte, escritora e tradutora. É professora Associada lotada no Departamento de Artes Visuais (DAV) do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Porto Alegre/RS). Atualmente é vice-diretora do Instituto de Artes. Bacharel em Artes Visuais, com habilitação em História, Teoria e Crítica da Arte (1998) pela UFRGS, tem Mestrado (2002) e Doutorado (2008) em Letras, com ênfase em Teoria da Literatura, pelo PPGL/PUCRS. Publicou os livros Paisagem Moderna: Baudelaire e Ruskin (Sulina, 2010), Tradição em Paralaxe (Edijuc, 2013) e Doze Lições (Class, 2019). Além disso, traduziu para o português obras como O sentido de ordem, de E. H. Gombrich (Bookman, 2012) e O mercado da arte, de Raymonde Moulin (Zouk, 2007).

 

A imagem densa

Adalberto Müller

Gostaria de destecer o que me parece ser uma trama discursiva e afetiva dupla na vida contemporânea: por um lado, uma desconfiança das imagens, que nasce de uma situação que abusou das imagens, em todos os sentidos e mídias; por outro, de uma confiança em imagens "rápidas", "rarefeitas", "leves", "esvaziadas", "de superfície", "pós-verdade", imagens que evitam o trauma (ou o encobrem, na forma do preconceito). Como sutura a esse esgarçamento – que é bem contemporâneo –, gostaria de pensar o lugar da imagem densa, sobretudo a partir de textos urdidos entre a literatura e as situações de precariedade, como ocorre nos poemas de M. NourbeSe Phillip (Zong!) ou de Edimilson de Almeida Pereira ("Cemitério Marinho"; ""Homeless", Poesia +). A ideia de densidade surge a partir da ideia de "tradução densa" de Bruce Albert em relação ao relato de Davi Kopenawa (A queda do céu). Assim como a "tradução densa" de Albert tenta trazer para a linguagem escrita/literária a multiplicidade e a movência da cosmogonia yanomami, a imagem densa é aquela que, como as palavras e "visões" do xamã, é capaz de traduzir a movência das coisas e se mover com elas – como ocorre nas fotos de Claudia Andujar. No caso dessa última, assim como nos poetas citados, a densidade da imagem é capaz de ir além do punctum da imagem massiva, que apenas registra a violência de forma banalizada, como fato "cotidiano". Ao contrário, sem deixar de registrar a precariedade dos corpos e a violência colonial, Andujar é capaz de registrar algo que está aquém e além da superfície, revelando aquele duplo olhar da imagem dialética de W. Benjamin: de um lado, vê a catástrofe colonizadora, ainda em curso, agora nas mãos de um governo abertamente fascista; de outro, abre na História da ordem e progresso a cicatriz do "tempo-agora", onde se pode ainda acender o pavio que estoure uma revolução Outra – antirracista, antihomo/transfóbica, antigenocida, antiecocida – ou, pelo menos, que possa acender na consciência contemporânea uma "chama" que "não tem pavio" (como nas imagens de "Clube da Esquina N. 2").

Adalberto Müller é professor do PPG Estudos de Literatura da UFF, onde orienta pesquisas sobre tradução e criação literária. Foi professor/pesquisador visitante em Münster (WWU), Lyon2, Yale e na SUNY Buffalo. Publicou diversos livros de poesia, ensaio, tradução e ficção, e entre os mais recentes: Transplantações: do jardim da minha mãe (Para.Texto, 2019); O traço do calígrafo: contos (Medusa, 2020) Poesia Completa de Emily Dickinson (Editora da UnB/Editora Unicamp, 2020, no prelo); Walter Benjamin: Teses sobre a história (com Márcio Seligmann-Silva, Ed. Alameda, 2020). Pequena filosofia do voo: contos (Patuá, em editoração) e Francis Ponge: Partido das coisas (retradução, in progress).  

 

Imagem, palavra, movimento: Rom, Blicke, de Rolf Dieter Brinkmann

Robert Schade

Na epóca do Pós-Guerra, Rolf Dieter Brinkmann (1940-1975) foi um verdadeiro inovador da literatura alemã e uma figura controversa. Além de ser poeta, ele fotografou, filmou e produziu livros de colagens que juntava fotos, cartões postais, diários, mapas, recibos, anotações e rascunhos. Nesses livros, movimentos, passeios e viagens são temas centrais.

O livro Rom, Blicke (Roma, olhares) foi escrito e editado em 1972/73 na Itália, sendo depois publicado em 1979. Trata de uma colagem (em parte relato de viagem, romance epistolar, ensaio e autobiografia). Fotos e mapas, além das palavras, tem um papel importante. Uma mídia paradigmática para a estética do escritor e para capturar momentos singulares é a câmara Instamatic, que Brinkmann usou. As viagens e os passeios são práticas de descobrimento de constituição de um espaço através de técnicas artísticas híbridas, como tentativas de mudar os padrões de percepção e fugir das formas de poder.

Na minha comunicação, pretendo tratar dos seguintes parâmetros presentes no livro, o qual podemos chamar de uma obra híbrida: as imagens (como fotos e cartões postais), o texto em si, as formas híbridas dentro da obra, como mapas topográficas e, por fim, as formas de movimento. O modo de apresentação do texto e das imagens não constitiu um panorama: os olhares de Roma são multidirecionais, olhares de e também para Brinkmann.

Robert Schade, desde 2019 leitor do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e professor visitante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com um projeto de pesquisa sobre Rolf Dieter Brinkmann. Doutor em Literatura Comparada pela Universidade de Potsdam com a tese Schwankende Ansichten. Zur Geschichte einer Ästhetik des Anders-Sehens in der Literatur und Kunst der Moderne  (2017). 2013-2015 bolsista da escola de Pós-Graduação da DFG, Sichtbarkeit und Sichtbarmachung. Hybride Formen des Bildwissens.

 

Mediação: Cinara Ferreira (Letras, UFRGS)

 

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