ORIENTAÇÃO: Fernanda Dusse

RESUMO: O premiado romance Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende, proporcionou à autora grande destaque na mídia ao ganhar dois Jabutis no ano de 2015. Quarenta dias é narrado por Alice, uma professora aposentada que durante quarenta dias se desenraiza de sua antiga vida, abdica do conforto de seu novo apartamento e parte para a periferia de Porto Alegre. Ao narrar sua exploração urbana — e estética —, Alice se despe de seus preconceitos e descobre que aquele local marginalizado muito se assemelhava com sua terra, a Paraíba. Como os parisienses do século XIX, na prática da flânerie, Alice transforma suas experiências errantes em conhecimento do meio e em conhecimento de si, além de desfrutar de sua liberdade. Ao mesmo tempo, a personagem se depara com o abismo que formaliza as cidades brasileiras e impede o encontro de seus moradores. A partir dessas reflexões, discutimos como o flâneur de Walter Benjamin se apresentaria no Brasil do século XXI, espaço marcado pela segregação socioespacial e pela desigualdade de gênero, que podem impedir a caminhada despreocupada e ociosa. Além disso, uma mulher é incapaz de flanar despretensiosamente como sua personagem correlata do sexo masculino, já que sua presença no meio da multidão está fadada ao aflitivo encontro das violências a que todas aquelas mulheres, flanantes ou não, estão suscetíveis a ocuparem espaços públicos. Objetivamos, assim, traçar pontos de encontro e divergências entre o flâneur benjaminiano e o contemporâneo, observando como o percurso realizado por uma mulher idosa na periferia de uma metrópole fissura os valores ressaltados por Benjamin. O romance de Maria Valéria Rezende permite que observemos, portanto, como a pretensa unidade do espaço público encobre a hierarquização de seus sujeitos e legitima diferentes formas de violência.

PALAVRAS-CHAVE: Quarenta dias; literatura contemporânea; flâneur; espaço público.

REFERÊNCIAS: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1989. MONNET, Nadja. Flanâncias femininas e etnografia. Revista Dobra, Salvador, n. 11, 2013. Disponível em: <http://www.redobra.ufba.br/wp-content/uploads/2013/06/redobra11_23.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2020. REZENDE, Maria V. Quarenta dias. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014. STOLL, Daniela Schrickte. A flânerie de uma andarilha urbana. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 2, e57230, 2020. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2020v28n157230>. Acesso em: 15 dez. 2020.