Pedro Manoel Monteiro, Raquel Aparecida Dal Cortivo
Diante da produção ficcional da escritora cabo-verdiana Fátima Bettencourt é impossível ficar indiferente ao conto As mulheres que meu pai amou, que, inserido no livro Semear em pó, de 1994, brilha como um diamante no conjunto da obra. O conto destoa na voz, por ser masculina e única na coletânea, porém é a qualidade dessa voz, a sua verossimilhança apurada, que lhe confere um cariz de verdade, em que se possa crer, talvez esteja aí a sua melhor qualidade. O narrador de As mulheres que meu pai amou é capaz de enganar até mesmo o leitor crítico, pois essa voz masculina, de tal maneira convincente, parece ter vida própria, apartado da escritora. Cumulativamente, como narrador e personagem apresenta uma voz dotada de autonomia e autoridade masculina natural, de tal modo que quase torna crível sua gesta absurda. Este conto apresenta requintes em seus pormenores, inclusive no que tange às ausências propositais das 9 mulheres do pai-Don Juan e dos meios-irmãos, apenas mencionados. Dessa forma, o conto penetra fundo no universo social masculino, desvenda minuciosamente a ótica do pater famílias cabo-verdiano, senhor de baraço e cutelo. O conto opera como constructo segundo a definição da psicologia: ?objeto de percepção ou pensamento formado pela combinação de impressões passadas e presentes [dentro do qual] criado a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria? (Houaiss eletrônico). Neste caso, elaborada na perfeição da psicologia reversa, pois funciona perfeitamente para denunciar, exemplar e vertiginosamente, a arquitetura psicológica incongruente daquilo que em Cabo Verde é chamado de ?pai de filho? e das situações de dependência a que são expostas as mulheres no sistema falocêntrico.
Palavras-chave: Literatura feminina, Literatura Cabo-verdiana, Fátima Bettencourt, conto.