Dentre os temas expostos por Alice Walker em A Cor Púrpura (1982), a mutilação das fictícias mulheres da tribo Olinka talvez seja um dos que mais desconforta o leitor. Quando encarado sob a perspectiva proposta por Marco Abel (2007), em que este atenta ao fato de que é a própria obra de arte que propicia um contexto que nos permite entender adequadamente uma dada situação histórica, a atrocidade proposta pela romancista (e reiterada por Steven Spielberg em sua adaptação homônima de 1985) se torna, ironicamente, aceitável.
Vivendo na África há décadas, em uma das cartas que escreve à protagonista Celie, Nettie pesarosamente revela à irmã a incapacidade dos missionários em ter “[...] ajudado a parar [...] a marcação ou corte tribal nas faces das jovens mulheres [Olinka]” (WALKER, 1982, p.177). Os trechos desta e de outras cartas em que a mutilação e suas consequências são descritas trazem à tona imagens violentas que acabam por se tornar positivas, ao se considerar o quão precisamente refletem o mundo que representam, assim como o contexto dentro do qual a dada violência ocorre (ABEL, 2007, p.xii). Ao serem adaptadas, essas imagens, que trazem consigo “[...] seus próprios códigos de interação com o espectador, diversos daqueles que a palavra escrita estabelece com o seu leitor” (PELLEGRINI, 2003, p.16), se mostram deveras eficientes, apesar de sua violência original.
Dentro do exposto, propõe-se, neste breve estudo, a reflexão acerca da reapresentação da violência proposta por Spielberg, considerando, para isso, confluências e divergências evidenciadas no cotejo entre os trechos que expõem o tema e ambas as obras.
Palavras-chave: A Cor Púrpura. Adaptação. Violência.