O artigo tem por objetivo discutir como Diamela Eltit, em El Cuarto Mundo, constrói um discurso transgressor das vozes uníssonas sobre a experiência de ser latino-americano no final dos anos 1980. A partir das caóticas narrativas de dois irmãos gêmeos (um menino e uma menina), o romance em fluxo de inconsciência se apropria da visão dominante sobre as identidades de gênero para ressignificá-la no contexto de uma leitura perturbadora do processo de mestiçagem e das possibilidades de resistência cultural na América Latina. A dificuldade de interação verbal entre os irmãos (a separação na linguagem) contrasta com a simbiose dos corpos presos em uma relação de mútua dependência no espaço doméstico (no útero da mãe, no quarto da casa, no Chile do período de Transição, na América Latina do final da Guerra Fria, na periferia sudaca do sistema internacional). Tais corpos vivem a ambivalência do cuidado, entre gozo e sofrimento, loucura e lucidez, grito e silêncio, opressão e emancipação. No quarto mundo (que abriga o desejo confinado no espaço sobreposto pelos corpos diferentes), desenham-se relações de poder que limitam as vozes de sujeitos que se oprimem e se libertam uns aos outros. Estas vozes imaginadas no espaço da literatura subversiva de Eltit expressam-se fora das semânticas e sintáticas conservadoras, reformistas e revolucionárias, desestabilizando qualquer ideia pré-concebida sobre emancipação nos discursos políticos, econômicos, culturais e estéticos que circulavam sobre e desde a periferia dos sistemas de poder vigentes.
Palavras-chave: Diamela Eltit. Gênero. América Latina. Identidade.