Desde os primórdios da televisão no Brasil estabeleceu-se de imediato um diálogo com o cânone da literatura brasileira e, nesse viés, diversos romances foram adaptados para o folhetim eletrônico: A moreninha, Helena, Iaiá Garcia e a emblemática Escrava Isaura, sucesso absoluto de público. Essa relação entre mídia audiovisual e narrativa literária tem sido encarada de forma crítica por alguns segmentos tradicionalistas da academia, em virtude dos apelos da indústria cultural de massa se contrapor aos marcos da cultura letrada. No entanto, esse trânsito entre livro e tela na contemporaneidade ganha novos contornos com o avanço dos meios de comunicação e a convergência das mídias. Esse contexto atual propicia um refinamento maior na análise dessa interface entre linguagem literária e linguagem televisiva. Em 1993, foi ao ar na Rede Globo, no horário nobre (faixa das vinte horas), o folhetim eletrônico Fera Ferida, de autoria de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, sob direção de Dennis Carvalho e Marcos Paulo. Segundo Ricardo Linhares (2008), essa adaptação ou transcriação, foi inspirada livremente no universo ficcional de Lima Barreto. Os leitores familiarizados com a ficção do escritor logo constataram a fusão dos enredos de seus romances conjugada à trama fundamental para o argumento da telenovela, o conto “A Nova Califórnia” (1956). Sob esta perspectiva, este trabalho pretende analisar o deslizamento da narrativa literária para a audiovisual, discutir o processo de migração do suporte livro para a tela da TV e a reconfiguração da narrativa literária em audiovisual que se converte em estética híbrida e em produto cultural e midiático.