Embora Eça de Queirós tenha realizado modificações de várias ordens tanto na segunda (1876) quanto na terceira versão (1880) de O Crime de Padre Amaro, a intensidade crítica do discurso anticlerical, presente nas narrativas, permaneceu praticamente igual ao constatado na primeira versão do texto, publicada em folhetins na Revista Ocidental durante o ano de 1875. Na verdade, a obra é tida como uma espécie de "marco", ou "exemplo maior", do modo como inúmeras vertentes do pensamento anticlerical, vigentes em Portugal no século XIX, foram veiculadas na literatura de ficção. A virulência crítica quase sempre conduz o leitor, de qualquer uma das três versões, à conclusão de que o romance explicita, unicamente, a principal e corriqueira meta do anticlericalismo: o rechaçado enfático à Instituição religiosa e seus representantes. O objetivo deste trabalho é averiguar em que medida tal concepção pode ser problematizada, considerando já a primeira versão do texto. Para tanto, analisarei a atuação da personagem Cónego Silva, que figura apenas nos folhetins de 1875, desaparecendo na segunda versão do romance e constitui-se uma espécie de "esboço" de Abade Ferrão, personagem importante da terceira e definitiva edição narrativa. Se Ferrão é de maneira explícita uma espécie de contraponto às posturas do clero deplorável de Leiria, a meu ver a figuração de Cónego Silva, também um "religioso exemplar", problematiza a maneira com que comumente se compreende o anticlericalismo difundido por Eça de Queiróz nesse romance.
Palavras-chave: Eça de Queiróz. O Crime de Padre Amaro. Anticlericalismo.