A ruptura da perspectiva habitual da memória e a constatação do caráter nãolinear dela encontram-se diretamente relacionados à substituição de uma concepção cronológica por uma concepção messiânica de história, com a proposição de uma percepção qualitativa, uma visão descontínua da temporalidade. Nesse esteio, as críticas de Benjamin ao historicismo, e sua visão contínua, progressiva e linear, ignorando as lutas de classes e reproduzindo a história dos vencedores, encaminham para a defesa de outro conceito-ação, a necessidade de escovar a história a contrapelo, que traz consigo a exigência de rememoração do passado, o que não implica a restauração dele, mas uma metamorfose do presente tal que o passado seja retomado e transformado. Nos anos trinta, período de propaganda varguista de harmonia entre classes, à memória ágil e amontoada salve salve de uma marcha em progresso opõem-se a memória esgarçada e os lapsos, forma graciliânica de resistir aos imperativos ideológicos hegemônicos de seu tempo, forma não panfletária de recordar para discordar, forma de revelar a gama de personagens afligidos pela angústia, todos aprisionados muito antes da privação da liberdade real de seu criador. Nessa linha de pensamento, concebe-se a obra em um processo de recriação de fatos que importam mais pela forma como são relembrados, conforme se verá nos estudos das obras Caetés, São Bernardo e Angústia, de Graciliano Ramos. Pretende-se, assim, ampliar as possibilidades de estudos sobre memória na obra do autor alagoano, percorrendo caminho diverso do relacionado à escrita autobiográfica.
Palavras-chave: memória, Walter Benjamin, Graciliano Ramos.