Anais
RESUMO DE ARTIGO - XVIII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
A língua de Camões ou a última flor da irrelevância: procedimento paródico em Patrícia Lino e Ricardo Domeneck
Carla da Silva Miguelote (UNIRIO)
O trabalho propõe uma leitura cruzada dos livros O kit de sobrevivência do descobridor português no mundo anticolonial (2020), da poeta portuguesa Patrícia Lino, e Cigarros na cama precedido de Manual para melodrama (2022), do poeta brasileiro Ricardo Domeneck. O primeiro pode ser lido como paródia dos manuais de sobrevivência do escotismo, projeto educacional aliado aos mecanismos introdutórios da narrativa colonial. Enquanto os manuais para escoteiros apresentavam ferramentas e estratégias militares para enfrentar os desafios de viver em meio à natureza, em terras remotas e “selvagens”, o livro de Lino apresenta objetos antiquados, quinquilharias e bugigangas, destinados a dar algum conforto aos herdeiros renitentes dos “descobridores”, que resistem a aceitar um mundo em que os subalternos de outrora exigem seus direitos e seu lugar. Entre esses objetos, encontra-se o “Manual da língua de Camões”, destinado não aos portugueses, que “dominam indubitavelmente o conteúdo dos 20 capítulos” (LINO, 2020), mas aos membros de suas ex-colônias – aqueles cuja “língua materna” se configura como “língua do outro”, para citarmos Derrida em O monolinguismo do outro (2001). O procedimento paródico permite aproximar O kit de Lino do Manual de Domeneck, uma vez que esse se apresenta como paródia dos livros de autoajuda. Aqui, está em jogo não o ressentimento de quem perdeu seu poder político e simbólico, mas o rancor de quem foi abandonado e substituído na esfera amorosa. Alguém a quem pouco ajuda escrever poemas de insulto, posto que o destinatário dos impropérios “jamais dignou-se / a aprender” o português, esta “língua / conhecida como a Última Flor / da Irrelevância” (DOMENECK, 2022, p. 53-54). Uma vez que ambos os escritores escrevem em língua portuguesa vivendo em países estrangeiros (Lino, nos Estados Unidos; Domeneck, na Alemanha), trata-se de observar a visada de uma perspectiva lusófona na arena global das relações interculturais.
Palavras-chave: Poesia contemporânea; Lusofonia; Paródia; Colonialidade; Anticolonialismo.
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