Soledad no Recife, de Urariano Mota e K, de Bernardo Kucisnki são narrativas que trabalham fortemente a matéria especulativa acerca da desumanidade em regimes de exceção. A tortura, o assassinato político e o desaparecimento, ocorridos durante o regime civil-militar de 1964 são aspectos densamente trabalhados. Em ambas as narrativas, o protagonismo é de personagens históricas: duas mulheres militantes, mortas em função da militância contra o regime. A resistência é, portanto, um mecanismo motivador da escrita em nome, principalmente, da memória dos que sucumbiram de maneira violenta e abjeta. Grande é a repercussão da matéria histórica sobre o que é narrado em função de um não olvidamento relacionado ao que aconteceu com essas mulheres e de uma necessidade de compreender o incompreensível no que concerne à maquinaria da repressão. Esses aspectos se apresentam em Soledad no Recife e K de maneira tão sólida que delineiam em âmbito formal o que chamamos de partilha de fronteiras: narrativas que correspondem a um híbrido entre romance, testemunho e documento. Em vista de tal caracterização o argumento do estudo consiste em reafirmar que nessas narrativas realidade e ficção não se opõem e que se há parâmetros para dar conta do diálogo e da experimentação entre as muitas formas envolvidas na constituição do relato, esses convergem todos para a formulação de um inventário acerca da ausência-presença de suas protagonistas.