Formas diversas de associação entre literatura e dança são descritas e analisadas por muitas tradições acadêmicas. A dança, como um complexo fenômeno de linguagem, aparece em prosa, obras de ficção, e em poesia; inversamente, observa-se a inserção de textos literários em obras coreográficas; a atuação criativa de poetas na concepção de espetáculos de dança é outra atividade historicamente consagrada, assim como sistemáticas reflexões a que muitos escritores se dedicaram, e, finalmente, a criação de espetáculos híbridos em que diversos sistemas se combinam em instalações verbivocovisuais. Este trabalho se concentra em uma categoria específica deste fenômeno, que são os processos que envolvem uma relação direta entre uma fonte literária e um determinado resultado coreográfico. Muitos têm definido esta categoria como “tradução intersemiótica”. O termo foi estabelecido por Roman Jakobson e consiste na interpretação de signos verbais por meio de signos não-verbais. O termo adquiriu, entretanto, maior abrangência explanatória e é utilizado para descrever relações entre diversos sistemas, não podendo mais estar confinado à interpretação de signos verbais. O corpus principal de análise deste trabalho é formado pela tradução intersemiótica de Macunaíma, de Mário de Andrade, para a obra de dança contemporânea Para o herói: experimentos sem nenhum caráter – corpo s/ papel, de Paula Carneiro Dias (2010). A questão principal a ser desenvolvida pode ser assim sumarizada: como esta obra, reconhecidamente polêmica, de dança contemporânea, “atualiza” questões estéticas contextualmente situadas no ambiente modernista brasileiro? Por meio de uma fortuna crítica bem estabelecida sobre Macunaíma, e tendo Gilda de Mello e Souza, Telê Porto Ancona Lopez e Haroldo de Campos entre os principais autores, este trabalho tem o propósito de discutir como preocupações modernistas, em Macunaíma, foram intersemioticamente traduzidas no campo mais abrangente da dança contemporânea brasileira.