Este trabalho propõe-se a interpretar as conexões existentes entre as imagens do tempo e da água, incorporadas à figuração poética dos corpos dos amantes na obra Linha-d’Água (1987), de Olga Savary. A água constitui um elemento-chave para compreender a riqueza metafórica dos poemas. Se, por um lado, a água dos corpos encarna a dimensão ativa e fecunda da vida; por outro, manifesta o fluxo temporal de um rio que corre sem cessar. O eixo interpretativo parte, sobretudo, do diálogo com os poemas “Maíua” e “Ser”, nos quais os corpos manifestam, metaforicamente, uma estrutura de realização do ser-no-mundo, a saber, o horizonte existencial do homem (HEIDEGGER, 2012). O movimento das águas encena a condição do homem de já estar lançado em um devir temporal incessante, sendo em sua dimensão finita e ambígua. Estes aspectos dizem respeito à sua própria realização corpórea, a qual se baliza a partir de dois fenômenos fulcrais: a vida e a morte. O homem é um ser destinado à morte, uma vez que desde sempre já se encontra existencialmente imerso no transcorrer resoluto do tempo. A vida nada mais é do que uma concessão da vigência do tempo. O signo da água interliga-se diretamente com a dimensão da temporalidade e o curso transitório das coisas. A corporeidade, por sua vez, relaciona-se com o estado de contingência e a figuração dos limites que se inscrevem, na sua natureza errante, como uma marca da finitude. Em suma, a poética da escritora paraense vislumbra os seres amantes plenamente reconciliados com o ritmo-imagem da liquidez dos seus corpos.