Vanalucia Soares da Silveira (UFPB/IFPB), Hermano de França Rodrigues (UFPB)
Ler A Hora da Estrela é, aparentemente, como fumar sem tragar, é estar diante de um
cigarro a queimar-se sem que a fumaça seja inalada. E Macabéa seria uma ponta desse cigarro não
tragado na boca do leitor. Nas mãos de um narrador onisciente seletivo e intruso, ela seria o
incenso se apagando, embora em chamas; seria o cigarro com a outra ponta em cinzas. Macabéa
seria um cigarro sem sabor, "não faz falta a ninguém" (LISPECTOR, 1998, p.14). Pois que
Macabéa, por ser órfã, é a bebê que pode não ter tragado, de forma gratificante, as duas mães da
infância - a mãe biológica e a tia - (teria sido tragada por elas?), e que, adulta, ainda é a mesma
bebê não gratificada, e, por conseguinte, prisioneira da linguagem, ansiosa por devorar vorazmente
o mundo. Nesse sentido, a protagonista demonstra-se fixada predominantemente na fase oral, no
narcisismo primário, conforme atestam suas inscrições corporais voltadas ao desejo de esfoliar o
seio materno. São sintomas desse adoecimento corporal sua compulsão alimentar, ou dependência
pelo comer, introjeção dos impulsos destrutivos e negação do outro. Macabéa reverbera, em sua
estrutura adulta, a precariedade de seu eu arcaico, pela estratégia da mímica, sendo que tal
reverberação acontece sem movimento, de modo que a narrativa é menos rica em ações que em
predicativos. Não obstante, predicativos para que significante? Haveria um sujeito para o verbo
Ser em A Hora da Estrela? O objetivo desta pesquisa é tragar esse cigarro chamado Macabéa,
mastigá-lo, através de um processo de regressão, que remonta à relação mais primitiva de todas,
que é a sua relação com o seio materno, consoante pensamento kleineano, para interpretar o corpo
habitado pelas fantasias primordiais. Primeiro, analisar-se-á a falta da mãe genitora no processo de
introdução da criança no mundo da linguagem, que é mediado, pela figura materna; depois, a
educação sexual ensinada pela tia, seu segundo seio; a seguir, sua inserção na cultura pela mãe
Rádio Relógio, e, por fim, sua relação de asseguramento com a cartomante, o seio bom. Para tanto,
nosso aporte teórico fundamentar-se-á nos estudos de Klein (1996; 1974); Dolto (2015); Dolto e
Nasio (2008), Freud (2016), Nasio (2010; 2008; 2007;1991), dentre outros. Destarte, esta análise
visa a um trabalho metalinguístico, que se refere ao ato de "amamentar-se" da obra em estudo, de
tragá-la, para discutir o processo de "amamentação" de Macabéa , o seu aprisionamento ao
Imaginário e a sua ansiedade para ser.
Palavras-chave: Seio materno; Gratificação; Linguagem; Corpo