Um corpo pode ser belo e são, um dado espaço, ordenado e limpo, as relações entre indivíduos, cordiais e até generosas. Há, entretanto, uma ameaça que pode colocar tudo a perder por eclodir o reverso desse cenário aparentemente harmonioso em instantes: a contaminação por algum tipo de vírus, bactéria ou germe causador de doenças. Quanto mais letal, mais desfigurados se tornam os seres humanos, evidenciando sua faceta monstruosa e devastadora. As artes em geral, especialmente a literatura, a pintura e o cinema, são pródigas em suas representações. Séculos antes de Cristo já havia o registro de epidemias que assolavam determinadas regiões sem deixar vivalma, não escapando da morte nem os animais domésticos, um cenário que se repetiu ao longo do tempo, com ênfase em alguns períodos da Idade Média. Na contemporaneidade, a globalização deu a tônica a pandemias de agentes patológicos cujos nomes familiares nos remetem diretamente as aulas de ciências ou, pelo contrário, são decorrentes de anomalias genéticas forjadas, males desconhecidos e mortíferos de um modo até então impensável. Pendendo do mistério e do terror à ação, há ainda a forma escatológica do zumbi, o hospedeiro que se confunde com o parasita, privilegiada pelo cinema há algumas décadas. Em geral, resultante de uma contaminação viral, o zumbi retira o juízo dos homens e das mulheres infectados, transformando-os em sanguinários devoradores de gente. Do épico História da guerra do Peloponeso, de Tucídides, passando pelo jornalismo de Diário do ano da peste, de Defoe, pelo realismo de A peste, de Albert Camus, sem esquecer o romantismo de O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marques, a temática não perdeu de vista as transformações humanas e sociais. Com a moderna produção de Best-sellers, contudo, são as obras no estilo de Contágio, de Cook, que propagam-se pelas estantes das livrarias. Diante da ameaça do terror biológico, quanto mais invisível, tanto mais assustadora é a doença, quanto mais emocionante, tanto mais comercializável é a obra. Este trabalho pretende analisar, pois, uma parcela considerável de textos e imagens que tomam a doença como mote, tendo em vista quão dramática pode ser a contaminação, e quão superficial pode se tornar o drama humano quando o desejo maior deixa de ser recriar a violência e o non sense da vida e da morte em prol de cenas que permitam aspirar a trailler de ação.