Anais
RESUMO DE ARTIGO - XVI ENCONTRO ABRALIC
QUARTO DE DESPEJO & SALA DE VISITAS: CAROLINA DE JESUS, INTÉRPRETE DO BRASIL
Maurício Gabriel dos Santos Nascimento (Unicamp)
O livro-diário “Quarto de Despejo” de Carolina de Jesus possui um valor inquestionável para os debates acerca do papel e situação das mulheres negras no Brasil e como patrimônio da literatura negra brasileira. Contudo, a obra ultrapassa o enquadramento periférico e marginal – que a crítica geralmente considera como aspectos particulares – trazendo contornos que servem para interpretar e compreender a realidade brasileira como um todo. Em seus registros a autora mostra como é administrar a pobreza na cidade de São Paulo, coração econômico do país. Mais que a autenticidade do relato de quem vem de baixo, ela denuncia a humilhação cotidiana sofrida pelos mais pobres e como funciona o ethos da favela, que mantém o ciclo de exploração e miséria. Ela apresenta a diversidade da composição social da favela (donas de casa, prostitutas, operários, militares, nordestinos, ciganos); o abandono e assujeitamento das crianças ao mundo adulto (precocidade das relações de trabalho, amorosas, sexuais); o universo feminino em situação de miséria; a violência constante. Caracteriza a pobreza urbana (ausência de solidariedade entre os pobres; degradação moral), a economia da sucata, um sistema particular de trocas e favores entre moradores e pequenos comerciantes. Além disso, discute o plano político mostrando o oportunismo eleitoral e a dinâmica de interesses que acontecem na favela. Há forte presença de igrejas e outras organizações oferecendo apoio em troca de adesão à fé ou ideologia. Apesar da dependência do Estado ser grande, sua presença é tímida, precária e violenta. Essa soma de elementos inaugura um novo par da contradição brasileira no contexto da urbanidade paulistana: Quarto de Despejo & Sala de Visitas. Alcunhado pela própria autora, esses extremos representam também uma novidade de perspectiva, pois são formulados por quem vive às margens da opulência. A partir deles é possível ter uma visão abrangente do funcionamento das cidades brasileiras baseado na desigualdade herdada do sistema colonial. Em grande medida, percebe-se que a atribuição de valor canônico depende de aspectos fortemente ligados aos ideais da elite econômica, intelectual e política. Como não há interesse em superar esse modelo, os diários de Carolina aparecem para a Crítica Literária de forma particular, mas ela diz respeito a uma massa trabalhadora muito expressiva que é a base do trabalho nas grandes cidades. Sua descrição se choca frontalmente com as interpretações consagradas sobre o Brasil e evoca, ao mesmo tempo, a necessidade de questionar o discurso oficial e buscar novos referenciais para essa autora e essa obra, visto que o existente não é suficiente para explicá-la.Palavras-chave: Carolina de Jesus; Literatura; Pensamento Social.
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