Anais
RESUMO DE ARTIGO - XVIII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Ficção lesbiana e a hetero-nação: uma leitura de “O corpo” (1974), de Clarice Lispector
Yasmin Zandomenico (Universidade de Massachusetts Dartmouth)
A presente proposta consiste na investigação da escrita lesbiana enquanto contradiscurso ou reescrita da nação. Na esteira do conceito de ficção fundacional (1993) formulado por Doris Sommer, em que nacionalismo e heterossexualidade estão intimamente implicados na produção de uma consciência nacional via literatura, é possível reinterpretar os modos com que nação e narração, assim como política e desejo, projetam a comunidade imaginada chamada Brasil. Nesta configuração patriótica hegemônica, a família heteropatriarcal desempenha um papel fundamental como unidade representativa na imaginação pública da nação, de modo que seu estatuto biologicamente “natural” exerce um poder excludente sobre as cidadãs que não participam na sua economia reprodutiva. Nesse sentido, a participação de dissidentes sexuais no ideário da nacionalidade é tudo menos ponto pacífico. Se certa literatura e identidade nacionais são informadas por metáforas de gestação e nascença (como é o caso de Iracema [1865], de José de Alencar), que desvios imaginários as narrativas lesbianas mobilizam? Este projeto pretende explorar a desestabilização da hegemonia (hetero)sexual através da literatura lesbiana, inquirindo como esta subverte e reorganiza o imaginário cultural da nação brasileira. Para tanto, é possível realizar uma leitura do conto “O corpo” (1974), de Clarice Lispector, como uma narrativa lesbiana exemplar. Nele, o relacionamento poliamoroso entre as personagens Beatriz-Xavier-Carmen performa a subversão do formato tradicional familiar não apenas através do triângulo amoroso, mas especificamente a partir da prática de um crime: o assassinato de Xavier pelas duas companheiras, que se convertem em casal. Beatriz e Carmen, por meio do homicídio, realizam também outro delito: o da ruptura da heteronormatividade. A resposta do Estado, representado pela polícia no conto, é exilá-las do país, eliminando do território nacional as duas mulheres—criminosas e dissidentes sexuais—que desestabilizam a matriz heterossexista do Estado nacional. “O corpo” (1974), de Clarice Lispector, sinaliza: vocês existem, mas não pertencem aqui.
Palavras-chave: Nação; Lesbianidade; Clarice Lispector.
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