Inspirada por Veena Das (Vidas e palavras: a violência e sua descida ao ordinário, 2020) e sua leitura antropológica das emergências da violência extrema na vida ordinária, proponho uma leitura comparada de dois romances de escritoras brasileiras de literatura contemporânea: "Tudo é rio" (Carla Madeira, 2021) e "O peso do pássaro morto" (Aline Bei, 2017). Nos romances, o ato violento praticado contra a mulher estrutura a ordem narrativa que entrelaça erotismo e violência, no corpo da escrita. fazendo transbordar na literatura o ciclo de violência para além do universo eminentemente feminino. Interessa-me apontar modos como a ficção criada pelas autoras parece emergir das cenas cotidianas de violência contra a mulher, amplamente midiatizadas nos telejornais que se dedica cada vez mais a pautar o tema, e alcançar um espaço de rearranjo do sensível (Ranciére, 2016) fazendo da literatura campo de afetação de pessoas já habituadas à violência cotidiana. As autoras operam um deslocamento do ato violento para escritas da violência trazendo, a partir da violência encenada na litaratura (Walty e Moreira, 2020), novas possibilidades de mobilização do leitor. Assim, fazem emergir um corpo-escrita a partir do feminino e para além dele, atualizando no espaço literário (Blanchot, 2015) os impactos da violência na espaço social.
Palavras-chave: Literatura Comparada; Escritas da Violência; Violência na literatura; Violência contra a Mulher; Escritas femininas