Anais
RESUMO DE ARTIGO - XVIII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Entre trapos, rapapés e bonecos de madeira: o diálogo de Dostoiévski com Ayoade
Lucas Ricardo Andreatta (Unesp São José do Rio Preto)
O Duplo, segundo livro de Dostoiévski, publicado em 1848, transcreve a consciência de um homem conturbado pelo sistema hierárquico petersburguense. Golyádkin é um típico sujeito da burocracia petersburguense que almeja melhor condição de vida. Entretanto, em sua busca, o protagonista acaba por alhear-se da realidade (KAYSER, 2013), sua consciência acabar por esfacelar-se em um duplo. Dostoiévski, portanto, descreve as últimas consequências da promessa moderna de que qualquer um pode chegar no topo. Desejo frustrado imperiosamente. A adaptação do livro, de Richard Ayoade, em 2014, coloca Simon (Golyádkin) num contexto que pode ser identificado como qualquer metrópole capitalista. Nesse novo espaço, o protagonista não se preocupa com a ascensão, pois seu desejo se concentra na possibilidade de viver um amor e de existir simplesmente, já que, no mundo neoliberal - com suas métricas, sua burocracia e seu trabalho alienante -, não reconhece nem sequer a sua existência. O processo de desdobramento adotado na adaptação, assim, atuará sobre essa esfera do existir, diante de um aparato tecno-burocrático que exclui determinadas parcelas sociais, e sobre a possibilidade do amor. Desse modo, compreendemos que a adaptação atualiza o texto, trazendo para uma reflexão pungente de nosso próprio tempo: a insegurança psíquica do capitalismo tardio (FISCHER, 2020; JAMESON, 1997); ao passo em que lança luz sobre as preocupações latentes da Rússia czarista em contraste. O elo entre um e outro contexto é o recrudescimento do controle efetuado a partir de uma ênfase no racional a despeito do resto, exemplificados pela própria cidade de Petersburgo e pelo espaço insólito da metrópole. Tanto em uma quanto em outra obra, a hierarquia pauta, aterroriza e controla a vida de um sujeito comum, com o que provoca a fragmentação de sua consciência. Algo a que estamos sujeitos em nosso tempo, em que percebemos constantes obras sobre o duplo.
Palavras-chave: Duplo; Dostoiévski; Ayoade; Modernidade; Capitalismo.
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