Nossa contemporaneidade, marcada por processos e práticas diversas, como a globalização da economia, o multiculturalismo, as constantes migrações (impostas ou livres), tem desestabilizado o caráter estável de muitas populações e culturas. Diante disso, novas pertenças se constroem e minam noções fixas de nação e de sujeito (HALL, 2003), desencadeando a necessidade de repensar de modo crítico e reflexivo determinados conceitos, num constante alargamento de fronteiras disciplinares. No contexto africano de colonização portuguesa, torna-se ainda mais significativo pensar tais questões, pois os produtos culturais oriundos destes países, dentre eles a literatura, têm desempenhado importante papel na escrita da identidade cultural de seu povo. Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo refletir sobre os contínuos efeitos da colonialidade, presentes no conto O efeito estufa (em Filhos da Pátria, 2001) do angolano João Melo. Segundo Inocência Mata (2012), ele é um dos escritores mais “políticos” da atualidade que desvela as incongruências, inconsistências, contradições e amoralidades da sociedade angolana através do paródico, do humorístico, do satírico ou do irônico. Em O efeito estufa a construção de uma narrativa bastante peculiar, cheia de “parênteses”, que conta com um narrador muito brincalhão e uma linguagem despojada, contribui para a construção de uma identidade cultural da sociedade angolana pós-independência, pós-guerra e multipartidária representada pelo personagem Charles Dupret, que, ironicamente, tem em seu próprio nome, a presença do hibridismo cultural, mas manifesta veemente a sua recusa a esse processo, com construções discursivas que levam ao riso. Assim, vemos que a imagem da nação inscrita na produção discursiva de João Melo está metaforizada no título, pois o efeito estufa e a colonização parecem produzir os mesmos efeitos: se o efeito estufa pressupõe a retenção do calor na terra, as nações que passaram por processos de colonização acabam por “reter” identidades culturais outras. Uso o termo “reter” entre aspas, pois sabemos que as fronteiras das nações são porosas e as culturas marcadas pela heterogeneidade, mesmo a de povos colonizadores, tomando o pensamento de Said (2011) de que territórios são sobrepostos, portanto as histórias são entrelaçadas e as culturas impuras. Para analisar esses processos de negociação cultural que permeiam as encruzilhadas entre os discursos da colonialidade e da pós-colonialidade, entre eu e outro, e as sobreposições de poder, tomaremos como base as teorias dos Estudos Culturais e Pós-Coloniais (Stuart Hall, Homi Bhabha, Walter Mignolo).