Emma Bovary, personagem de romance mundialmente estudado, suscitou diversas discussões desde quando se deu a conhecer, sendo uma delas o julgamento de seu autor, Gustave Flaubert, por atentado à moral. Emma figurava uma personagem leitora que se permitia, no ritmo de suas leituras (folhetins românticos), idealizar sua vida provinciana e tediosa, tomando-a como uma aventura que culmina em adultério. Essa leitora configura-se na representação flaubertiana de um perfil de leitoras oitocentistas, que suspiravam pelos feitos de amor das obras lidas e que, segundo Piglia, em O último leitor, eram tidas como simplórias, frívolas, por permitirem-se a entrega à fantasia e por preferirem enredos simples românticos (ainda que isso possa ser investigável); além disso Piglia ainda nos sinaliza que o perfil de mulher leitora, em diversas obras da mesma época, sintomaticamente associa-se ao adultério como forma de libertação. No entanto, a própria obra Madame Bovary, por ser essa representação crítica do olhar de seu autor, não se encaixaria em padrões desses textos lidos por esse perfil de leitoras do século XIX. Nesse sentido, Emma acaba por desnudar uma faculdade humana, segundo o filósofo Jules de Gaultier, de conceber-se outro do que se é: o Bovarismo – termo ricamente desenvolvido e convidativo à observação que norteará as discussões deste trabalho. No caso de Emma (um ser “de papel”, como bem sabemos), a leitura é que impulsiona esse movimento de oscilação e comunicação entre ficção e realidade. Vale-nos, todavia, questionar: esse perfil de leitoras que se perdem nas sendas dos textos literários idealizados/idealizantes, apropriando-se dessas leituras de modo a influenciar em suas práticas (não só em riqueza de percepção de mundo, mas em procederes que denunciam a crença ou a necessidade do décor fantasioso como fuga ou alienação) é típico apenas das ditas leitoras frívolas dos século XIX? Ou podemos dizer que neste século XXI esse movimento reavivou e ganhou vigor? Parece-nos que a resposta é óbvia e digna da contextualização de um Bovarismo, já que as leitoras de diversas idades (principalmente as adolescentes em idade escolar) que consomem vorazmente a literatura de massa – em detrimento do cânone, que muitas vezes desconhecem ou ainda rejeitam – legitimada e instigada pelo mercado apresentam diversos pontos de contato (e outros de distanciamento) com as leitoras que inspiraram a Emma flaubertiana e o consequente Bovarismo gaultieriano. O anseio pelo heroísmo ou pelas temáticas femininas ou de amor é alcançado nessas leituras que são sucessos de venda e não consideradas cânones – embora, como afirma Eco, as literaturas de massa se apropriem do cânone para uma constituição de sucesso mercadológico. Cabe aqui, então, uma reflexão desses perfis de leitora, postas em paralelo e em comparação, de modo a trabalhar o conceito de Bovarismo também na contemporaneidade, trazendo à baila a literatura de massa (aquelas obras em que se observa m diálogo com lugares-comuns românticos preferidas pelas leitoras), o cânone e, ainda, as representações que se faz desse grupos bem como as apropriações que resultam de sua leitura.