Buscando compreender o período de transição do século XX, denominado desbunde brasileiro, recorremos à afirmação de Silviano Santiago em O cosmopolitismo do pobre (2004) que considera o momento compreendido entre 1979 a 1981 como o período de profundas transformações sócio-culturais e políticas, tanto no Brasil quanto na América Latina. Tal período de ebulição cultural faz emergir uma série de companhias de dança e grupos teatrais que se propõe a questionar o poderes instituídos através da alegação de um corpo militante. Dentre os quais, destacamos os Dzi Croquettes que, tendo como instrumentos de contestação o corpo dançante e o humor, impulsiona uma discussão sobre o contexto repressivo imposto pela ditadura militar brasileira. Liderados pelo ator e diretor Wagner Ribeiro e coreografados pelo bailarino norte-americano Lenie Dale, os onze artistas propõem uma estética que alia o espírito libertário da época e a invenção artística através de uma revisão de valores sociais, como o binômio masculino/ feminino. Apropriando-se da força recompositora de seres bipartidos por um castigos dos deuses, os Dzi Croquettes promoveram uma revitalização dos padrões sociais, subvertendo a ordem estabelecida nos anos 1960 a 1980. A evidência de gestos performativos notadamente expressos na presença despretensiosa de Gal Costa com sua beleza campestre e na exposição do corpo esguio de Fernando Gabeira (coberto por um tapa sexo de crochê) nas areias do Pier de Ipanema demarcam a importância do exercício de uma sexualidade andrógina, antes impedida em nome da moral conservadora detentora de um poder instituído. Toda esta pulsão de vida, abre caminho para as obras circunscritas numa perspectiva de gênero. As areias também se tornam o cenário para as aventuras fotográficas de Alair Gomes que, de clique em clique, cria um acervo que representa a beleza masculino de nossos “meninos do Rio”. Este trabalho tem como objetivo geral investigar a performance do grupo Dzi Croquettes e o reflexo de sua produção no cenário cultural e político contemporâneo brasileiro. Identificando o momento histórico como fomentador de novas subjetividades no campo das artes, através do diálogo entre performances artísticas e performatividade de gênero, observamos a importância do desbunde na composição de um corpo/ cultura/ estética “queer”. A partir de rastros de memória do referido grupo, encontrado em registros de jornais, revistas e depoimento de artistas e personalidades da época, presente no documentário Dzi Croquettes (2009), produzido por Tatiana Issa e Rodrigo Alvarez, buscamos nos aproximar de uma proposta de corpo e escrita Dzi que reverberam nos campos político, ético e estético da atualidade. Nesta perspectiva, o estudo assinala a abertura para a reflexão das múltiplas possibilidades de exercício da sexualidade humana e promove o corpo como um instrumento de visibilidade à diversidade de gênero na contemporaneidade.