As reflexões do filósofo Jünger Habermas acerca da formação e da decadência de uma esfera pública burguesa (em seu livro "Mudança Estrutural na Esfera Pública") permitem pensar sobre a ambivalência do caráter da esfera pública na sociedade civil, que afeta diretamente as produções artísticas e culturais de uma época: embora o critério de uso público da razão na sociedade civil não seja nacional, a efetividade da esfera pública é nacional. Esta realização nacional da esfera pública em sua efetividade é singularmente importante para refletir sobre a recepção crítica e os processos de canonização da produção literária brasileira, afinal, a situação histórica particular de ex-colônia colaborou para que, a princípio, se constituísse uma literatura "empenhada", nas palavras do crítico Antônio Cândido em "Formação da Literatura Brasileira", desejosa de tornar-se autônoma, de constituir uma literatura nacional, e sequiosa de autoconsciência - o que muitas vezes acarretou na valorização da brasilidade e do espírito nacional na crítica literária. Este trabalho tenciona sondar como o desejo de se constituir uma literatura brasileira, nacional e autoconsciente, aliada a uma esfera pública ainda pouco vigorosa e a uma crítica jornalística bastante impressionista em seus primórdios - que valorizava sobretudo a verborragia parnasiana - corroboraram para a dificuldade do processo de canonização do poeta simbolista Cruz e Sousa no século XIX, bem como para o fracasso de seus empreendimentos jornalísticos. Os sucessivos fracassos de Cruz e Sousa para consolidar-se como poeta e intelectual de seu tempo, seja pelos preconceitos raciais seja pelo despreparo da crítica para fazer uma leitura justa de sua poética, são amplamente descritos na biografia escrita por Raimundo Magalhães Júnior: "Poesia e Vida de Cruz e Sousa". As críticas eram injustas, ácidas e, por vezes, zombeteiras e motivadas unicamente por arroubos de subjetividade ou por declarados preconceitos, a ponto de, em 3 de dezembro de 1893, na seção "A pedidos" da "Gazeta de Notícias", ter sido publicado um soneto jocoso que lhe imitava as figuras de linguagem e emprego de palavras raras, a fim de associar o ritmo musical de sua poesia a seus antepassados africanos. Araripe Júnior tece controversos elogios à personalidade poética de Cruz e Sousa e uma série de comentários mesológicos sobre o poeta "de sangue africano". José Veríssimo, por sua vez, foi ainda mais incisivo nas críticas depreciativas e viu em "Missal" um "amontoado de palavras, que dir-se-iam tiradas ao acaso". Pouco lida e ainda menos compreendida, a poesia de Cruz e Sousa só teria seu estatuto modificado quando, no início do século XX, o sociólogo francês Roger Bastide, não obstante as limitações de pressupostos analíticos ainda permeados de ideias racistas, finalmente se deteve num estudo comprometido das formas de expressão de Cruz e Sousa, e conferiu-lhe status equivalente ao de Mallarmé, abrindo portas para que o poeta catarinense finalmente tivesse sua literatura analisada quanto à sua expressão poética e estrutura formal - e para que finalmente Cruz e Sousa adquirisse o status de cânone e fosse consagrado como um dos maiores poetas da literatura brasileira.
Palavras-chave: CRÍTICA JORNALÍSTICA, CÂNONE, CRUZ E SOUSA, ESFERA PÚBLICA