CHRISTIAN RODRIGUES FISCHGOLD, MARIA APARECIDA DE ANDRADE SALGUEIRO
O objetivo desta comunicação visa apresentar os resultados de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida no doutorado em Literatura Comparada - UERJ acerca das representações dos povos indígenas na literatura brasileira e angolana. As relações históricas destes países datam do início da expansão da colonização portuguesa no século XV e a subsequente transformação do Atlântico numa “zona a-territorial lusófona” (cf. ALENCASTRO, 2000). O encontro do europeu com o “selvagem” americano e africano é uma das características do período de transição da Idade Média para a Idade Moderna, no chamado “século dos descobrimentos” (entre 1450 e 1550). Este encontro dará origem a uma série de manifestações escritas sobre os povos autóctones de ambos os continentes: da carta de Pero Vaz Caminha, aos relatos de Hans Staden, Jean de Léry e Cristóvão Colombo, na América, o texto Sobre os Canibais, de Michel de Montaigne, até os escritos de Héli Chateláin e Carlos Estermann, sobre as populações do sul de Angola. A partir do século XIX, o indígena irá ocupar papel central em importantes movimentos literários e culturais do Brasil, como o Romantismo e o Modernismo, e também papel central na literatura angolana influenciada pelos movimentos nativistas, pan-africanista e négritude. A pesquisa contextualiza essas obras em um processo interno de representação dos povos nativos em suas respectivas historiografias literárias nacionais para depois analisá-las em perspectiva comparada. Para Pierre Bourdieu, as representações são ideias, conceitos, valores, princípios e imagens com os quais pensamos e atribuímos significado à realidade, e sua força social “não é necessariamente proporcional ao seu valor de verdade”, mas o resultado da correlação de “forças materiais num determinado momento” (cf. BOURDIEU, 1994). O foco desta comunicação é a representação dos povos autóctones na literatura contemporânea brasileira e angolana em duas obras de evidente similaridade temática e narrativa: Os papéis do inglês (2000), do antropólogo, poeta e romancista angolano Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) e, Nove Noites (2002), do escritor brasileiro Bernardo Carvalho (1960- ). Pretende-se analisar as estratégias de composição utilizadas pelos autores que evidenciam a subjetividade do narrador e tencionam as relações entre “realidade e ficção”. Essas construções narrativas tornam as obras o lugar instável em que diferentes discursos se inscrevem, dentre eles o literário, o etnográfico, o histórico e o político. A metodologia consiste ainda em evidenciar as intrínsecas relações entre antropologia e literatura através de conceitos desenvolvidos por autores como Clifford Geertz e James Clifford, e analisar como são construídas as personagens e o universo indígena dos povos Kuvale, do sudoeste angolano, e dos índios Krahôs, do centro-oeste brasileiro. O objetivo final é delimitar em que se aproximam e em que se afastam as obras e suas estratégias de composição, construção ficcional e representação dos povos autóctones.
Palavras-chave: LITERATURA COMPARADA, BERNARDO CARVALHO, RUY DUARTE DE CARVALHO, ANTROPOLOGIA