João Antônio, quando de seu trabalho como jornalista na década de 1970, fez uma entrevista com Darcy Ribeiro, publicada na imprensa alternativa do período e posteriormente em seu livro de 1976, Casa de loucos. Nela, aparece o retrato humano do cientista social mineiro, ex-ministro de Estado exilado pelo golpe de 1964, homem convalescente de um câncer e vigiado pela repressão do regime militar. A afinidade entre entrevistador e entrevistado é patente, denotando um interesse que vai muito além do dado factual, pois ancorado em concepções aproximáveis sobre a formação do povo brasileiro, seu papel histórico, sua cultura e, sobretudo, um engajamento semelhante na defesa de um projeto de base nacional-popular. Ambos, ainda, parecem representar, na literatura e no ensaio, os últimos respiros de uma produção cuja fonte está na tradição intelectual brasileira de pensar a formação da nação por meio de seu povo e de sua particularidade identitária, tendo como horizonte a construção de uma civilização brasileira, uma “Nova Roma”, como a chamava Darcy. Assim, como lembra Ligia Chiappini na apresentação ao livro Brasil, país do passado? (2000), com eles, entre outros intelectuais mortos nos últimos anos do século passado, ocorre simbolicamente a morte de um certo Brasil, de uma certa leitura de país e de um tipo de empenho específico na sua interpretação, representação e, em especial, na modificação de sua realidade. Na ciência social de Darcy Ribeiro como na produção ficcional, jornalística e cronística de João Antônio, a interpretação e a representação do povo brasileiro realizadas por ambos podem sugerir possíveis aproximações geracionais, intelectuais, bem como diálogos fecundos para a compreensão e a situação do ocaso do projeto nacional brasileiro, a persistência ou o abandono da utopia, a filiação ao fenômeno popular como forma de superação de uma sociedade historicamente e radicalmente clivada entre classes subalternas e elites. Este trabalho, assim, pretende apresentar possíveis aproximações entre o programa literário de João Antônio e o ensaio social de Darcy Ribeiro – em especial, O povo brasileiro (1995) –, tendo como foco, principalmente, as suas relações intelectuais e suas afinidades na reflexão sobre a questão popular brasileira. Trata-se, também, de abordar a situação de certo modo abstrusa em que ambos se colocam, na reafirmação e na defesa de um projeto nacional-popular em pleno momento da debacle de tais ideias, como a última década do século passado. Esperamos, desse modo, que este trabalho possa contribuir para o estudo da cultura e da formação brasileiras vistas por uma perspectiva nacional-popular, visto que tais ideias, à parte serem injustamente relegadas hoje a uma espécie de arqueologia cultural, possuem ressonância – latente ou não – no debate público, bem como devem ter seus impasses e contribuições repensados à luz do século XXI.
Palavras-chave: JOÃO ANTÔNIO, DARCY RIBEIRO, POVO BRASILEIRO, LITERATURA E CIÊNCIAS SOCIAIS