A presente comunicação pretende discutir como a religiosidade se apresenta tragicamente na obra O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. O ponto de partida às considerações aqui produzidas é a ideia de que o sentimento de incompletude, inerente ao ser humano, pode se revelar trágico por conta também do seu desejo de unidade, antagonismo exterior e interior, pois o que o tornaria inteiro seria a sua relação primeira com Deus, o real, segundo expõe Mircea Eliade (1907-1986), em O sagrado e o profano, como no princípio em um mundo homogêneo. Devemos entender o trágico desvinculado da tragédia, apesar de ser inegável a relação primeira, e se concentrar na perspectiva de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), no âmago da sua filosofia, no que se refere à afirmação da vida, na sua inteireza, mesmo com todos os seus problemas e sofrimentos. Podemos dizer que os valores burgueses fizeram da racionalidade racionalismo, sob a imagem que se criou do dinheiro, anulando a vida na medida em que, por vezes, impõe, enquanto imperativo categórico, o cárcere do ser em função do ter. As religiões foram aplacando suas prerrogativas iniciais e se desligaram da arte e do mito, na medida em que se perdeu seu caráter original, como argumenta Georg Lukács (1885-1971) em A teoria do romance. As festas foram dessacralizadas e morreu o lado festival da vida, exibindo apenas resquícios atávicos como o carnaval, mas o trágico sobrevive como realização estética e condição ontológica do ser, como bem defendeu Nietzsche. Zé do Burro, personagem protagonista da obra em pauta, representa uma religiosidade mais próxima ao mundo arcaico, primitiva, irracional, que sobrevive arquetipicamente em contraponto ao racionalismo, inerente ao avanço burguês. A reflexão aqui dirigiu-se a uma racionalidade, mas como argumenta Unamuno, Do sentimento trágico da vida, somos animais sentimentais. Assim, o aspecto trágico se estabelece na tensão que se efetiva entre a ordem dominante, o catolicismo, e os valores arcaicos e se estende dramaticamente à consciência do protagonista. Dizendo de outra forma, o catolicismo neste contexto é algo externo que interfere e produz uma problemática trágica. Como argumenta Michel Maffesoli (1944), em O eterno instante: o Retorno do Trágico nas sociedades Pós-Modernas, Deus e o Estado foram maneiras econômicas de pensar e de organizar as forças que ultrapassam o indivíduo. Soma-se ao contexto, o brutal choque de realidade que enfrenta Zé do Burro, na sua inocência, alheio aos paradigmas da urbanidade degradada.
Palavras-chave: TRÁGICO, , RELIGIÃO, RACIONALISMO, O PAGADOR DE PROMESSAS, DIAS GOMES