A Antropofagia elaborada por Oswald de Andrade foi um importante emaranhado simbólico, capaz de dar sentido à particular auto imagem da cultura brasileira. Foi exatamente a combinação entre literatura (e artes) e ciências sociais, que permitiu a consolidação de algumas imagens interpretativas do Brasil que a Antropofagia contribuiu para elaborar. Contudo, estas imagens foram manipuladas ideológica e politicamente desde os anos 30 conferindo à Antropofagia uma caracterização fortemente culturalista que em si tinha apenas parcialmente. Assim, as obras de Oswald de Andrade, nos anos 50, mostram claramente a intenção universalista daquela que queria se apresentar como uma teoria do homem e não propriamente como uma teoria do Brasil, ainda que a partir de um posicionamento específico. Na década de 60 o mantra "Só me interessa o que não é meu" do famoso Manifesto Antropófago, junto com a fecunda aproximação entre arcaico e moderno, local e universal, se torna uma inspiração artística militante e uma procura da “especificidade” cultural brasileira. Começando desde o Teatro Oficina, as ideias antropófagas ressuscitam e começam a influenciar, em plena ditadura, música, artes plásticas, cinema e teatro, pela chamada geração tropicalista. No campo acadêmico também começam a proliferar estudos sobre a obra de Oswald. Esta ambiguidade funcionou sempre como uma potência: algumas imagens interpretativas foram semplificadas e reusadas tornando-se, posteriormente, estereótipos da cultura brasileira (a controversa elaboração da questão da miscigenação, a imagem eufórica do "Brasil, país do futuro", o mito da cordialidade brasileira, a utopia multiétnica dos trópicos, a coexistência de elementos arcaicos e modernos na ideia de um grande Brasil e na procura, mais ou menos explícita, da “brasilidade”, a ideia do paraíso/felicidade brasileira, a incorporação idealizada da cultura indígena e o ideal da cultura canibal). A desconstrução destas douradouras imagens interpretativas - entre símbolo e mito - em parte atribuídas ao Modernismo e à Antropofagia, começa desde os anos ’70 e ’80, coincidindo com o esgotamento das “narrativas/interpretações totais" sobre o Brasil. Os novos problemas abertos pelo processo de democratização e os desafios de pensar em um processo de mudança levaram muitos pensadores e críticos a uma reinterpretação histórico-política dos passados processos de transformação cultural. Para estes autores o objetivo se torna "desinventar" o Brasil e suas imagens mitológicas através de narrativas dos "muitos Brasis" que colocavam em causa o cunho culturalista generalista das grandes narrativas do início do século XX. Como acontece com a contribuição recente do livro de Jessé Souza, A tolice da inteligência brasileira, que mostra precisamente a permanência de ideias culturalistas conservadoras construídas pela elite intelectual brasileira.
Palavras-chave: ANTROPOFAGIA, CULTURA BRASILEIRA, CIÊNCIA SOCIAL, CULTURALISMO