Na literatura, na música, na pintura e nos gêneros artísticos de um modo geral, a arte da recriação tem espaço garantido e consolidado. Cópias, colagens, intertextualidades propiciam um novo olhar ao já visto em forma de revisita. É possível, inclusive, afirmar que assim é a vida social. Ouve-se hoje um discurso para amanhã dizê-lo também, à sua forma. Rocha (2013), em sua obra Machado de Assis: por uma Poética da Emulação, disserta sobre a técnica de leitura-colagem na obra de Machado, o que não impede ao leitor não frívolo transcender as barreiras do universo monocromático e estender suas teorias a outros consagrados autores. Deste modo, é possível perceber algumas intersecções entre o campo das literaturas e o campo damúsica, mais especificamente, entre a letra Faroeste Caboclo, da Banda Legião Urbana, lançada no álbum Que País É Este, datado de 1989 e o Conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga, publicado no Livro Sagarana, datado de 1971. Ambas as estórias retratam a saga de um homem que vivencia inúmeras situações durante a vida, situações estas que culminam em um momento de decisão de vida – a hora e a vez, momento este que justifica de alguma forma todo o périplo vivido. Ambos, João e Nhô Augusto, são destemidos, foram traídos por suas esposas – traídos por inimigos -, e provam o gosto do inferno. Augusto por meio da surra que leva quando sua morte é encomendada e João, quando vai ao inferno, sendo preso, espancado e violentado. Vale dizer que ambos também recebem auxílio no momento derradeiro e desenganado. Primo Pablo, Mãe Quitéria e Pai Serapião atuam de modo amparador, trazendo dignidade aos personagens. Saliente-se ,ainda, que ambos encontram a redenção por meio da morte. João sabia morrer, Nhô Augusto encontra seu destino com sorriso nos lábios abençoando e perdoando as pessoas de sua família e o seu próprio assassino. No que diz respeito à estrutura textual das obras, dizemos que é necessário considerar que fazem parte de gêneros diferentes. A Hora e a Vez de Augusto Matraga é um conto longo que encerra a obra na qual está inserido. Faroeste Caboclo é uma canção composta para ser musicada. Então, estas peculiaridades devem ser levadas em conta. É possível perceber a estruturação de sentenças em alguns momentos de modo similar, como se transcrevessem a linguagem efetivamente oral, com o início de frase com a letra “E” – “E a alta burguesia”, “E João não conseguiu o que queria”, e em Matraga – “E também fez”, “E aí o povo encheu a rua”. Deste modo, esta tentativa de análise busca encontrar as semelhanças e as colagens realizadas na canção tomando por ponto de partida o conto.