O propósito deste trabalho é analisar a concepção de José Guilherme Merquior (1941-1991) da crítica literária como Kulturkritik, isto é, como ensaísmo que questiona a cultura vigente. Merquior parte do pressuposto que a literatura tem um potencial gnoseológico, portanto cabe à atividade crítica desvendar e discutir esse poder cognitivo da arte poética. A partir da influência de críticos como Lukács (1885-1971), Benjamin (1892-1940) e Auerbach (1892-1957), o procedimento metodológico defendido por José Guilherme é ler a história no texto, em vez de dissolvê-lo na História. Para Merquior, do ponto de vista histórico, as principais obras literárias da tradição moderna (isto é, a partir de meados do século XIX) enfatizam mais a problematização da vida do que a edificação moral ou o entretenimento; essa mudança de escopo exige do crítico a capacidade de combinar a crítica estética com a crítica ideológica. Nesse sentido, José Guilherme opõe-se tanto ao formalismo, acusado de se concentrar em “microscopias lingüísticas” e, desta forma, isolar a literatura da problemática cultural; quanto ao sociologismo, o qual trataria o texto de forma reducionista (ou seja, como pretexto para falar da realidade social) ou mesmo a partir de exigências políticas e/ou moralizantes. Em outras palavras, cabe encarar a obra literária não como experimento estritamente formal ou como documento sociológico, e sim como forma de conhecimento e arma da crítica da civilização, mas sempre evocando essa problematização da cultura a partir da própria estrutura do texto literário. Minha hipótese de trabalho é que José Guilherme persiste em uma visão racionalista da tarefa do crítico, pois sempre abordou o fenômeno literário com aparatos conceituais em vez do viés impressionista que predominava na crítica anterior; porém, a partir do início da década de 1980, este autor abandona sua aposta na literatura modernista como resposta aos resquícios estetizantes, decadentistas e irracionalistas de certos estilos pós-românticos, na medida em que também a arte de vanguarda seria um sintoma da crise de valores da cultura moderna. Com isso, Merquior passa a detectar uma perigosa cumplicidade da crítica universitária com a produção literária contemporânea, na medida em que a sofisticação metodológica estaria em inversa proporção a um autêntico exame crítico do texto literário. Pretendo discutir, em ordem cronológica, dez ensaios e artigos nos quais Merquior apresenta e desenvolve esta posição teórico-metodológica em defesa da crítica da literatura como crítica cultural. São eles: “Responsabilidade social do artista” (em Razão do Poema, 1965); “Para o sesquicentenário de Matthew Arnold” e “Do signo ao sintoma” (Formalismo e Tradição Moderna, 1974); “Ao leitor” e “Machado de Assis e a prosa impressionista” (De Anchieta a Euclides, 1977); “As idéias e as formas”, “Tarefas da crítica liberal” e “O vampiro ventríloquo” (As idéias e as formas, 1981); e “A crise do paradigma formalista” e “Sobre a doxa literária” (Crítica 1964-1989, 1990).