Partindo da hipótese de que os modos de constituição do ‘eu’ autobiográfico e do ‘eu’ lírico ressoam mutuamente intencionalidades conformadoras de uma consciência de si mesmo, nossa proposta será a de fazer uma leitura do texto Olhinhos de gato, em que a autora - como educadora, cronistas, poetisa, folclorista – retorna poeticamente à infância como período formador da “menina sozinha”. Nessa obra, Meireles utiliza recursos metafóricos para representar as pessoas mais próximas (e queridas) como a avó (Boquinha de Doce), que a criou e educou, D. Jacinta Garcia Benevides, a negra Pedrina que era sua babá (Dentinho de Leite) e a cozinheira Maria Maruca e si mesma (Olhinhos de gato) Dessa forma, Cecília Meireles apresenta sua voz em Olhinhos de gato como uma menina vista com ternura pela mulher que se tornou. A narrativa de Meireles é fortemente marcada pelo traço memorialista, traduzindo metaforicamente as lembranças infantis à luz da compreensão adulta de problemas como a finitude, o efêmero, a afeição, a saudade. Nesse sentido, o texto que brinca e se disfarça num tom pueril é conduzido por uma serenidade retrospectiva. A narrativa define por meio do personagem “Olhinhos de Gato” a projeção de um eu perene que tem na conexão estabelecida entre o momento presente e a memória da infância o ponto de autocentramento. Assim como foi feito com C. Possi, buscaremos explorar o potencial metafórico dessa escrita em relação às experiências de silêncio, solidão e perda da escritora brasileira. Nesse sentido, procuraremos investigar – do ponto de vista do rendimento reflexivo – o impacto dos vários desaparecimentos que marcam a vida da escritora: o pai, os irmãos, a mãe, a avó, o primeiro marido, seu posicionamento político, a trajetória intelectual.