Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
DO VIRTUAL AO ATUAL: A FÁBRICA DO POEMA
RAFAEL LOVISI PRADO, ENEIDA MARIA DE SOUZA
Na tentativa de se traçar uma escrita focada nas relações transversais entre poesia e filosofia, isto é, detida nas possibilidades de contaminação e suplementação entre as mesmas, propõe-se no presente texto a criação de uma zona de vizinhança entre o plano verbivocovisual da “Fábrica do poema” (1994), poema do escritor baiano Waly Salomão, e o par conceitual atual-virtual, reelaborado e desdobrado pelo filósofo Gilles Deleuze ao longo de sua obra. Com efeito, pretende-se romper as fronteiras amiúde erigidas entre o pensamento filosófico e o poético, no intuito de assinalar ressonâncias e dissonâncias entre conceitos, imagens e dicções, além de amplificar as questões levantadas por estas. Neste sentido, leva-se adiante certa ambição da poética de Waly, aquele que se declarava um “campo aberto” aos saberes e linguagens advindas dos mais variados cantos, um “amalgâmico filho das fusões”, “câmara de ecos” de uma gama de referências artísticas e teóricas. Em sua “Fábrica”, dá-se a ler o descompasso entre o texto que se sonha compor e a matéria escrita ainda por vir, ainda separada do gesto. A ânsia por atualizar um plano virtual luminoso no qual as palavras se conectam e são cimentadas linhas após linha, talhadas pelo artífice que se tornou “perito em extrair faíscas das britas e leite das pedras”, é contraposta ao corpo lírico que resta inerte, à página que espera. É assim que a usina poética de W.S nos coloca em contato com a multiplicidade enquanto agenciadora do ato de composição, na medida em que a dupla face de seus elementos, uma atual e a outra virtual, é revelada pelo relato da voz que cria. A cada sucessivo sono figurado no poema em pauta, o estado de vigília rodeia-se de névoas sempre renovadas de virtualidades, cosmo do sonho que não cessa de emitir novas imagens que reagem sobre o corpo daquele que enuncia, que por certa duração permanece com “os ouvidos moucos” e “os olhos chumbados” diante do múltiplo que o atravessa. O desenrolar deste processo, que permite a distinção entre o que é virtual e o que é atual, corresponde aos cortes cravados pelo tempo, quando este segue diferenciando-se de acordo com dois caminhos, a saber, um que preserva o passado e outro que faz o presente transcorrer, sonhar e acordar, revezamento reiterado ao longo dos versos. O presente que passa em nós e diante de nós é que define o atual, enquanto o virtual aparece, por sua vez, em um tempo menor do que o mínimo de movimento apreensível por nossos sentidos, mas que persiste. Na engrenagem poemática composta pelo atual e virtual avulta-se ainda a presença de outrem, ou seja, uma instância que faz com que ao redor de cada coisa que se perceba, ou de cada ideia que se pense, organize-se um mundo à margem, um fundo do qual outras coisas e outras ideias podem surgir a partir da transição dos virtuais aos atuais, ou da passagem tênue do sonhar ao acordar.
Palavras-chave: GILLES DELEUZE, WALY SALOMÃO, ATUAL-VIRTUAL, A FÁBRICA DO POEMA
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