O trabalho faz uma análise dos poemas “Face” e “A bicicleta”, presentes no livro Geografia íntima do deserto (2003), da pernambucana Micheliny Verunschk. Amante confessa da poética cabralina e adepta de uma linguagem precisa com alto teor imagético, Verunschk vem se destacando no cenário da poesia brasileira contemporânea. Buscou-se investigar seu processo construtivo, em especial seu estilo de construção metafórica, estabelecendo um diálogo com concepções modernas de poesia destacadas na crítica e na poética de alguns autores, como Roland Barthes (2000). Ainda que se anuncie como uma obra que se envereda pela intimidade, ela não se dá por meio de um lirismo exacerbado. “Uma poesia íntima, mas do deserto, e não do ou da poeta como subjetividade que venha se escancarar diante do leitor por uma linguagem de desafogo desabrido” (BARBOSA, 2003, p. 14). Barbosa encontra nas produções da pernambucana proximidade com certa tradição literária, preocupada em explorar os preceitos da linguagem, revivendo a capacidade instauradora da poesia de nomear. Sua análise dialoga com a própria concepção de metáfora, corroborando para enxergar na escrita da autora sua intrincada relação com um fazer poético que busca nas imagens e no resgate da função da arte sua literatura. “Face” dialoga com poemas de inclinação metapoética de dois grandes ícones da poesia brasileira moderna, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, apresentando ao leitor seu deserto. É a essa composição que nos reportaremos para entender melhor a proposta do livro, que quer nos apresentar sua “geografia íntima”. O poema quer-se instrutivo, como a explicar os procedimentos do poeta ao enveredar-se pela matéria de sua poesia. O terreno árido, de trato dificultoso, é aqui ressaltado. O poeta não está alheio a ele: imagens sensoriais nos remetem à experiência árdua com o deserto, poesia que não se derrama em lirismos, mas que ganha tom visceral. Metáforas desconcertantes e inovadoras são mais evidentes no poema “A bicicleta”, que não se traduzem por ideias precisas. O poder sugestivo das palavras e das imagens que elas constroem é o cerne do poema. Temos que embarcar, com a poeta, em uma aventura possível de significação. Fábio Cavalcante de Andrade (2008) analisa o poema em questão e afirma que se tem aí a construção de uma metáfora absoluta, que se caracteriza por um fluxo contínuo capaz de espalhar-se por todo o poema, transformando o texto numa estrutura metafórica global. Filiando Micheliny Verunschk a um grupo de poetas ditos herméticos, Andrade busca, na essência dessa tendência, a explicação para a surpresa que o poema nos desperta. O deserto, assim, novamente aqui se apresenta, e mais do que apenas cenário às imagens, é elemento constitutivo dessa figura emblemática que é a bicicleta. No referido poema, Verunschk traz ao texto a tradição clássica da literatura, ressignificando figuras como a sereia e a esfinge para eleger como objeto a própria palavra poética, ao mesmo tempo em que as aproxima da sua atual e banal figura da bicicleta enterrada no deserto, espaço inóspito em que sua palavra poética desabrocha.
Palavras-chave: MICHELINY VERUNSCHK, POESIA, LITERATURA CONTEMPORÂNEA, METÁFORA