Em seus romances, José Saramago elabora um narrador radicalmente aproximado das ações que narra. A voz narrativa se mostra espacialmente tão avizinhada dos acontecimentos que, por vezes, afirma sequer poder narrar aquilo que foi dito pelas personagens. Essa postura do narrador dá às personagens e às ações uma autonomia dramática. O método empregado pelo autor possibilita presentificar acontecimentos passados, em geral históricos, como ocorre, por exemplo, em Memorial do convento. Nesse romance, o narrador torna vívida a narrativa da construção do convento de Mafra, extraindo das paredes do monumento histórico o trabalho que o tornou concreto. Assim, o narrador confere dinamicidade à associação entre passado e presente, formulando uma versão na qual os homens simples de Portugal angariem protagonismo. A dramaticidade emergente de uma narrativa que simula ações à queima roupa, como se estivessem acabando de acontecer, irá se afastar, estrutural e esteticamente, da contemplação na qual se fundamenta a narrativa histórica. O narrador será simultaneamente responsável pela força empregada na construção do convento e pela redenção das personagens simples esquecidas pela historiografia, objetivando sugerir uma alternativa vivificada ao reducionismo frio e consolidado do discurso histórico que atribuiu ao rei D. João V a construção do convento de Mafra. O mesmo estratagema de aproximação é utilizado em História do Cerco de Lisboa, uma vez que caberá à personagem Raimundo Silva a elaboração de uma narrativa na qual os cruzados não tenham ajudado os portugueses a conquistar Lisboa, então em domínio dos mouros. A potencialização da distância espacial, nesse romance, será explorada em dois níveis: entre o narrador e o lugar de ação da personagem e entre a personagem, feita autora, e a cidade pela qual passeia em diferentes lapsos temporais. A comunicação ora sugerida, dessa maneira, visa a promover, por meio da observação dos dois romances citados, uma análise do projeto literário do autor no que diz respeito às relações espaciais em suas elaborações estruturais e em seus possíveis objetivos estéticos.