Escrita e leitura se confundem, na elaboração de textos dos mais diversos gêneros. Vários teóricos e teóricas se debruçaram sobre essas relações, buscando entendê-las a partir de noções como dialogismo (BAKHTIN, 2011); intertextualidade (KRISTEVA, 2012); citação (COMPAGNON, 1996). Revisitando alguns desses conceitos, Tiphaine Samoyault (2008) propõe a noção de memória da literatura, dialogando com a perspectiva de que todo texto se tece em diálogo com textos anteriores. A poeta e tradutora gaúcha Angélica Freitas recupera em seus dois livros publicados até o momento – Rilke shake (2007) e Um útero é do tamanho de um punho (2012) – várias autoras e autores. No entanto os vestígios de sua memória de leitura da poeta argentina Susana Thénon são muito marcantes e se sobressaem diante de outras relações intertextuais possíveis. Susana Thénon é autora de cinco livros de poemas: Edad sin treguas (1958), Habitante de la nada (1959), De lugares extraños (1967), distancias (1984) e Ova completa (1987). Nenhum deles foi traduzido para o português integralmente, por isso a autora é pouco conhecida aqui no Brasil. Durante anos sua obra esteve esgotada e foi compilada e organizada pelas poetas e críticas Ana Barrenechea e María Negroni em 2001. A partir disso, seus poemas passaram a ser mais discutidos e difundidos. Angélica Freitas herda diversos procedimentos e temas de sua leitura da obra de Susana Thénon, sobretudo do último livro publicado por ela intitulado Ova completa (1987). O diálogo irônico com a tradição majoritariamente composta por escritores homens, a problematização de diversas questões da autoria feminina e estereótipos de gênero, a presença do humor e da ironia como recursos centrais são alguns exemplos. Em dois poemas de Um útero é do tamanho de um punho Angélica Freitas cita Susana Thénon diretamente, inclusive reelabora um poema da portenha neste livro. Este trabalho compara as obras de Angélica Freitas e Susana Thénon, partindo da perspectiva de que a escrita se constitui a partir da reelaboração de uma memória de leituras. A escrita do texto literário é pensada como um processo de seleção e combinação em que o anteriormente lido é reordenado e transformado em outro texto. Desse modo, busca-se discutir as relações entre as poesias de Susana Thénon e Angélica Freitas, tendo como corpus poemas das obras Ova Completa (1987), Um útero é do tamanho de um punho e Rilke shake (2007) que abrem espaço para a discussão de gênero e autoria feminina, ao passo que revisitam ironicamente o cânone literário, propondo a sua revisão. Para tratar da memória da literatura e da intertextualidade, são importantes como fundamentação teórica os estudos de Tiphaine Samoyault (2008) e Júlia Kristeva (2012). Nos aspectos relacionados às discussões de gênero e autoria feminina são fundamentais os estudos de Judith Butler (2013), Adrienne Rich (1970), entre outras.
Palavras-chave: POESIA, AUTORIA FEMININA, MEMÓRIA DA LITERATURA, INTERTEXTUALIDADE