Em 1993, Claude Berri, influente cineasta e produtor francês, lançou uma das adaptações fílmicas de Germinal (1885) de Émile Zola , romance emblemáticos do naturalismo francês . Épico ambicioso produzido durante o governo de François Mitterrand, o filme, referido muitas vezes como acontecimento, ícone ou monumento, tornou-se um símbolo da exceção cultural francesa e um verdadeiro fenômeno midiático. Nutriam-se grandes expectativas em torno da obra por vários motivos. Como Claude Berri, reputado autor de adaptações literárias, recriaria a obra canônica de Zola, visto como prenunciador, ao lado de Wilde e Huysmans, da invenção dos irmãos Lumière? Poder-se-ia associar o Germinal de Berri à obra de cineastas como Erich Von Stroheim e Luis Buñuel, citadas quando se evoca o naturalismo cinematográfico (AUMONT e MARIE, 2001)? Muito já se havia discutido sobre a força das imagens na concepção do romance e sobre as suas afinidades de Zola com Eisenstein, sobre as relações entre Germinal e A Greve (GURAL-MIGDAL, 2012). Mas a recepção ao Germinal de Berri não foi propriamente entusiasmada. Segundo os vários críticos, faltava-lhe a sutileza aliada ao vigor do romance, o tratamento das imagens jogando com a variação da distância focal. Cobravam, em resumo, fidelidade ao texto literário, sem levar em conta o caráter fundamental da adaptação cinematográfica como espaço de leitura, transformação e ressignificação no contexto da singularidade da linguagem cinematográfica, de suas práticas significantes, da cinematografia do cineasta e do seu tempo (SERCEAU, 1999). O objetivo desse trabalho é refletir sobre o diálogo intertextual tecido entre romance e filme a partir do estudo de sua abertura, dos momentos iniciais de cada um - o incipit e sequência genérica respectivamente -, momentos estratégicos da adesão do leitor/espectador ao universo narrativo, sem perder de vista a relação dinâmica entre esses fragmentos e a totalidade de cada obra. Conforme Metz (1991) e Mourgues (1994), os dois fragmentos apresentam elementos comuns em sua natureza e função de, como zona fronteiriça no limiar da narrativa propriamente dita, introduzir os primeiros elementos da ficção, criar uma atmosfera, seduzir o espectador/leitor. A partir da leitura cruzada do incipit e da sequência genérica, vamos discutir a maneira pela qual Claude Berri se apropria dos temas e formas do romance de Zola, traduzindo-o para a linguagem cinematográfica nos anos 1990.