Nesta comunicação, propomos a busca de traços naturalistas no filme Rio Quarenta graus (1955), do cineasta Nelson Pereira dos Santos. Para tanto, faremos uma análise da película – que, para muitos, é considerada a estreia do Cinema Novo – utilizando como referenciais comparativos pequenos fragmentos esparsos retirados de duas diferentes obras de Émile Zola: L’Assommoir (1877) et Germinal (1885). Neste processo, o naturalismo zolaniano e seus desdobramentos no cinema não serão tidos como uma extensão do realismo ou do cinema da grande forma, mas como um princípio de sua ruptura. Com o objetivo de esclarecer o que é este realismo cinematográfico e como ele se diferencia do seu movimento sucessor, utilizaremos André Bazin (1958) e Gilles Deleuze (1983). Para o primeiro teórico, há, em um momento inaugural do cinema, uma imagem orgânica cujo funcionamento depende da descrição de situações nas quais os personagens são conduzidos a agir e reagir no interior de meios históricos. Gilles Deleuze (1983) avança nesta reflexão e designa essa estrutura, situada temporalmente entre os primeiros experimentos da linguagem cinematográfica e a Segunda Guerra mundial, como imagem-ação. Posteriormente, na esteira dos acontecimentos do Pós-guerra, as narrativas cinematográficas tornaram-se desterritorializadas uma vez que não acontecem mais em meios históricos. A essa forma, Deleuze (1983) dá o nome de cinema de afetos, ou imagem-afecção – imagens intensas, porém ausentes de ação. Como exemplo dessa expressão, citamos o Neorrealismo italiano, a Nouvelle Vague, o cinema surrealista e o Cinema Novo. Entre esses dois momentos, existiria, segundo nosso aporte teórico, um cinema naturalista ou aquele que é marcado pela presença das pulsões – um mecanismo psíquico alojado entre um comportamento e um afeto, como uma ação embrionária ou um sentimento degenerado. Nossa hipótese é a de que existiria, então, uma aproximação entre o naturalismo na literatura e esse cinema. Formulamos tal hipótese a partir da observação de características comuns entre L’Assommoir, Geminal e Rio Quarenta Graus. Como, por exemplo, a construção dos personagens. Nessas três narrativas, eles são compostos por comportamentos pulsionais que trabalham sob a ótica de situações ou imagens intensas que expressam, dentre outros, a fome, a raiva, o prazer e o transe – mas sem, no entanto, abandonar por completo uma forma descritiva ou uma forma da ação. Os personagens naturalistas (Deleuze, 1969) serão nosso eixo de análise das três narrativas, exercício que terá, como apoio, elementos da narratologia e de análise fílmica descritiva. Em um momento final da apresentação, buscaremos compor um comentário conclusivo em alusão ao ensaio “Zola e a fissura” (1969), no qual Deleuze discute aspectos marcantes da obra zolaniana, tais como o meio e a hereditariedade.
Palavras-chave: ÉMILE ZOLA, NATURALISMO, NELSON PEREIRA DOS SANTOS, AFETOS