Para lidar com as demandas de sua multiplicidade, as complexas formas de escrita do século XXI, é preciso colocar em jogo os diferentes modos de escuta dessas escritas e os meios pelos quais se fazem ouvir. Nesse cenário intenso, há escritas que são performáticas e performativas. Performáticas no sentido em que organizam, em sua própria feitura, uma invenção singular com a linguagem, performativas, porque agem no tempo e no espaço de sua recepção. O pensamento não se desata do corpo que produz, esse corpo é, ele mesmo, pensamento em ação. São formas críticas de lidar com as realidades, formas narrativas que produzem ficções, que em nada opõem-se ao real, mas, ao contrário, realizam dissensos. Os novos cenários da escrita incluem a de produção de pensamento, produção crítica de conteúdo, considerando, sempre, que conteúdo não exclui forma. A forma é linguagem. Há modos e limites fluidos que buscam seus contornos. As contemporaneidades, múltiplas, exigem novos desafios e outros modos de leitura/escuta. Ressignificações. A dispersão é uma forma de percepção capaz de produzir arranjos cognitivos singulares e desviantes da tradição, abrindo linhas de fuga importantes para o pensamento crítico às realidades em que estamos inseridos. A escrita é, também, espaço de estabilização de gestos artísticos fluidos que não geram um corpo estruturado, mas corpos imateriais em disseminação. Toda narrativa é uma maneira de lidar com o tempo, é interpretação desta temporalidade, é duração que delimita espaço. Em grande medida, as experiências estéticas atuais são sinestésicas e comunitárias. Instauram, durante o momento do encontro, pequenas comunidades circunstanciais, no caso de textos em livros formam-se microcomunidades, sem objetivos comuns, sem laços, sem comprometimentos. Essas linguagens se fazem em um tempo flutuante e propõem uma experimentação, sempre em processo. Em muitos casos, é a partir de uma escrita verbal que elas se estabilizam. Se é impossível – e desnecessário – eliminar o hábito da interpretação, é, da mesma forma, imprescindível perceber a constituição de realidades que as experiências estéticas promovem. As escrituras inventam um espaço habitável de reverberação de corpos. Esse espaço é, ele mesmo, experiência real, não uma simulação ou tentativa mimética da vida. No exercício da sua complexidade, entre ordem e contingência, encena formas ativas e potentes de desconfigurar o mundo, reconfigurando-o a partir de práticas que nos ultrapassam, que não se fazem no solipsismo de nossas histórias e referências pessoais, mas na intrincada rede de relações entre os diversos corpos que ocupam o planeta. Som é matéria, presença. No momento da escuta, ganha forma e, talvez, sentidos, nem sempre estáveis. Frágeis e potentes. Os sons no mundo são realidades que se fazem e desfazem de acordo com encontros. Às vezes deixam rastros. Às vezes, nada. A experiência da escuta não traz um sentido geral de verdade, é uma prática contingente, particular e incompleta. Em vez de um nome, na prática de John Cage, o som é um verbo, age intransitivo, molda realidades, produz afetos, gera e apaga memórias. A escuta é possibilidade de invenção. Os sentidos se misturam na percepção e criação de mundos. Quanto mais aguçados, mais oportunidades se fazem ouvir, mais nos aproximamos do caos. Caos, nesse caso, é afirmação da vida em sua desordem ruidosa, sem hierarquias e sem razão. A partir de 1958, Cage começou a compor uma série de trabalhos a que chamou de indeterminados, nos quais passou a usar, cada vez mais, sistemas e equipamentos eletrônicos. As Variation, de I a VII, é com elas que se escreve este texto.
Palavras-chave: JOHN CAGE, ESCRITA, PERFORMANCE, ESCUTA