O famoso aforismo barthesiano, “a linguagem é uma pele”, é prenhe em desdobramentos. A pele é o nosso maior órgão e caracteriza-se por uma simultaneidade comunicativa, isenta de centro difusor. É impossível precisar com exatidão onde começa ou quanto dura cada estímulo (carícia, corte, princípios alergênicos, tudo se alastra) e todos eles passam por um centro racionalizante – cérebro – onde recebem, invariavelmente, uma tradução linguística: “isso fere, isso refresca, isso faz cócegas”. A obrigação de dizer é o fascismo da língua e o enrijecimento dos corpos já que cada estímulo, assim que inicia sua flutuação livre, alastrado no corpo, é capturado por uma máquina significante. Mas, se há um fascismo da língua, nem tudo na língua é fascista. “O vocabulário é uma verdadeira farmacopeia”, diria o mesmo Barthes. Devolver ao corpo seus estímulos: aí há uma verdadeira farmácia. O escritor é aquele alquimista ancestral capaz de dosar e combinar efeitos, inventando um espaço – terceira margem – inapreensível, que foge à máquina significante do cérebro, um espaço feito de línguas e linguagens (semioses). Alguns chamam tal farmácia de literatura. E o artista, – o escritor –, ensaia sempre uma nova resposta para o que é literatura? Fazer a linguagem se alastrar. Uma linguagem esfrega-se na outra e evidencia, assim, um desejo de ramificação. Nesse sentido, a literatura nasce no espaço de atrito entre as linguagens: abandonar-se, apenas sentir. É impossível localizar e apontar o desejo, pois ele é minha pele (dentro) e a do outro (fora). Esta pele, um “papel machucado e sensível como uma ferida de vida aberta e úmida” (Haroldo de Campos), é o lugar onde se inscrevem as novas constelações de signos, onde a língua se rearranja deixando ver seu avesso. Assim, as galáxias são uma verdadeira dança da potência da linguagem, liberta dos automatismos tirânicos da língua que engessa o corpo ao obrigá-lo a dizer e significar segundo a regra. A permuta constante entre os sentidos e o vaivém do mar-pele faz com que, neste livro de viagens (linguagens), tudo esteja vibrando – polifluxbórboro, polivozbárbaro, fluctissonante. Nessa experiência de leitura-viagem somos constantemente invadidos por cores, sons, aromas, gostos, – o texto vivencia suas metáforas. É ele (tecido) que se dobra e desdobra, pele sob pele, pli selon pli, com sua trama difusa e prolixa, confluência de estímulos, pele para que te quero. A pele é a literalização da metáfora do texto, é a metáfora do têxtil radicalizada. Ir à raiz dos signos é desbastar o texto, ver que o tutano é a pele: a pele é o osso. A linguagem é uma pele, diz Barthes; o texto é um mar, uma viagem, diz Haroldo de Campos. Há, em ambos os autores, a proposta de uma erótica da linguagem. À luz deste encontro, proponho a leitura cruzada de algumas passagens de galáxias e dos Fragmentos de um discurso amoroso.