O estudo que aqui se esboça se baseia na premissa que o fenômeno da corporeidade é indissociável das produções estéticas. Em trabalhos artísticos como o do cancionista Itamar Assumpção essa vinculação se torna bastante evidente. Mesmo sem deixar de lado o componente racional e cognitivo, o artista valorizava e intensificava os componentes sensíveis e os usos do corpo na produção e veiculação de sua obra. Algumas canções e performances de Itamar Assumpção sugerem que o pensamento como a sensibilidade devem trabalhar juntos na configuração de uma vida mais digna, na busca de outras possibilidades que vão além de uma existência ajustada aos padrões e às imposições dos grupos dominantes. Viver é experimentar novas sensibilidades e novas capacidades de nos afetar coletivamente em proveito de uma maior capacidade de agir e de pensar alegremente, mesmo que ao preço de sacrificarmos o nosso individualismo e a nossa perspectiva autocentrada de mundo. Também podemos afirmar que a produção artística desenvolvida por Itamar não se reduzia aos aspectos musicais e literários. Ele, além de um grande cancionista, era um exímio performer. A performance desenvolvida por Itamar se relacionava com as expressões do repertório cultural incorporado por meio de práticas e da memória étnica. Nesse sentido, a vida cotidiana testemunha, embora de modo aparentemente imperceptível, uma rica gama de performatizações. Essas performances implicam atos de resistência e de sobrevivência do homem comum diante da institucionalização e das imposições da cultura dominante. Destacamos a importância do corpo na produção e na transmissão de conhecimentos que não podem simplesmente ser catalogados e transcritos pelo conhecimento letrado. Esse repertório de conhecimentos e de saberes participa de uma espécie de cultura silenciosa que, mesmo se perseguida e condenada pelos padrões hegemônicos, sobrevive de modo tênue, mas persistente, trazendo à superfície traços e resquícios da memória étnica por meio de gestos, vozes, cantos e diversos usos e expressões do corpo. As discussões acerca do fenômeno da corporeidade também podem ganhar um viés interessante ao pensarmos nas aproximações e nos distanciamentos entre Itamar Assumpção e seus personagens. Dentre eles, destacamos o personagem Nego Dito, o Beleleú. Este personagem expressa não somente a violência praticada pelos bandidos e marginais da contemporaneidade. Ele também manifesta a resistência diante das adversidades que as populações pobres e marginalizadas sofrem cotidianamente. Muitos desses personagens, tal como Beleléu, apresentam uma imagem dúbia que os colocam na fronteira entre bandidos e heróis, demonstrando uma forte capacidade de escapar aos mecanismos de controle dos corpos. Muitas dessas figuras apresentavam traços que as colocam em uma zona de fronteira entre o animal e o humano, seja pela condição em que eram renegadas às mais baixas e humilhantes condições de sobrevivência, seja pela própria potência, destreza e insurgência de seus corpos. Enfim, o presente trabalho pretende demonstrar que a produção cancional de Itamar Assumpção, por ser fortemente marcada pela corporeidade, exige que percebamos, além do conteúdo formal das letras, todo um plano expressivo que faz parte da performance integral que o artista desenvolvia.