MAÍRA SILVA DA FONSECA RAMOS, ANDERSON LUÍS NUNES DA MATA
Pretende-se discutir a escrita de si presente no livro Guia Afetivo da Periferia (2008), de Marcus Vinícius Faustini, que se insere no projeto maior da coleção chamada Tramas Urbanas, editada pela Aeroplano, que dá visibilidade a eventos culturais e sociais que agora ocorrem nas periferias das grandes cidades brasileiras, cujas narrativas são contadas pelos próprios protagonistas. Marcus Vinícius Faustini, juntamente com os demais autores da coleção Tramas Urbanas, oriundos das margens econômica, geográfica e social do Brasil, traz para a literatura uma perspectiva diferente da que domina a cena literária atual, rompendo com o discurso hegemônico sobre quem pode fazer literatura. Buscando a inclusão social por meio da literatura e do engajamento em atividades culturais, o estudo da autoria na obra Guia Afetivo da Periferia atende aos reclamos de democratização do fazer literário. Narrado em primeira pessoa, com identidade implícita entre autor-narrador-personagem, a ficha catalográfica classifica o livro como “ficção”, ao passo que a trajetória pessoal do autor narrada e as mais de 50 (cinquenta) fotografias presentes na obra deixam dúvidas quanto ao correto enquadramento: romance ou autobiografia? Se a catalogação sugere a leitura da obra enquanto romance, como entender as diversas fotografias do autor trazidas para conhecimento do leitor, que, ao menos de forma aparente, parecem confirmar o pacto autobiográfico? Assim, a narrativa eleita estimula a pensar na tensão entre a escrita factual e a ficcionalização de si por parte do autor Marcus Vinícius Faustini. Esse estreitar de vínculos entre o produto literário e a realidade vivenciada é um dado que não se pode olvidar na literatura contemporânea, fato que não é exclusividade das obras produzidas no Brasil. O conceito de autobiografia criado por Phillipe Lejeune, bem assim o pacto de veracidade firmado com o leitor, será o ponto de partida para a leitura da obra eleita. A discussão sobre autoficção ainda engatinha no Brasil, mas já é objeto de polêmica na França pelo menos desde a edição de Fils em 1977, de Serge Doubrovski, que também norteará os estudos. Embora inexista consenso quanto ao termo autoficção, a discussão será trazida para a atual apresentação, em especial para se perquirir se a narrativa de si pode ser encarada sob o caráter ficcional, recorrendo, ainda, aos ensaios organizados por Jovita Noronha no livro Ensaios sobre autoficção (2014). A obra escolhida estabelece uma reflexão do real a partir da própria realidade, retratando a sociedade brasileira atual através de pontos de vista marginais ou periféricos, apresentando inovação das formas de expressão e da escrita. Não se trata, aqui, de um narrador que reproduz valores do grupo central, ao revés: a narrativa nos traz um autor que está à margem - deslocado fisicamente, economicamente e socialmente. É a visão de mundo desse sujeito, com sua experiência, tão diferente dos autores de classe-média que dominam a cena literária atual, que é trazida para a narrativa estudada.
Palavras-chave: GUIA AFETIVO DA PERIFERIA, AUTORIA, AUTOBIOGRAFIA, AUTOFICÇÃO