O presente trabalho pretende articular o conceito de autoficção, surgido com a publicação do livro “Fils” por Serge Doubrovski em 1977, com o debate do pós-moderno, compreendendo-o como forma discursiva cuja própria existência só foi possível a partir das questões centrais suscitadas pela discussão acerca da pós-modernidade. Para tanto, pretendo relacionar a autoficção com a crise da representação, que se iniciou na modernidade, com o sujeito fragmentado pós-moderno e com as identidades híbridas estudadas pelo pós-colonialismo. Desde sua criação, o termo “autoficção” tem sido alvo de bastante polêmica tanto entre acadêmicos quanto entre escritores. Se a autobiografia já era considerada por muitos como um gênero literário de legitimidade questionável, a combinação de autobiografia e ficção encontra-se sujeita ao mesmo tipo de questionamento. Intelectuais como Vincent Colonna, Philippe Gasparini, Philippe Lejeune e o próprio Doubrovski dedicaram-se ao debate, que se estende desde como definir um gênero tão híbrido e aberto a tantas possibilidades até a se seria necessário que autor e protagonista compartilhassem do mesmo nome. É plausível conceber a autoficção como um possível desdobramento da crise da representação, presente no universo artístico desde a modernidade, no campo da literatura. Se a arte não está mais envolvida com uma tentativa de registro do real, o mundo literário abre-se a novas possibilidades de criação artística. Ao abrir mão do comprometimento com a verdade que a autobiografia almeja (objetivo que sabemos ser idealizado, uma vez que não há sujeito absolutamente imparcial), a autoficção renova a relação da literatura com a realidade. De certo modo, inspira-se na ideia nietzschiana de vida como obra de arte e torna difusas e apagadas as fronteiras entre vida real e ficção. Assim, o pacto autobiográfico de Lejeune sofre mutações e é muitas vezes embaralhado. Elizabeth Duque Estrada menciona Blanchot ao afirmar que há na autobiografia algo que não se pode dizer, uma espécie de lacuna impossível de ser trazida à luz (DUQUE ESTRADA, 2009). Na autoficção, a arte consegue lidar com a opacidade presente no relato autobiográfico, não procurando preencher os vazios que lhe são inerentes, mas sim oferecendo-se como uma ferramenta alternativa na hora de contar uma história. O sujeito pós-moderno, por sua vez, é fragmentado, o que significa que as relações estabelecidas entre ele e si mesmo, o Outro e o mundo são diferentes das da modernidade. O presente trabalho pretende analisar a figura do autor como sujeito pós-moderno, que não se vê mais como indivíduo unificado. Acima de tudo, ele consegue criar um personagem capaz de se alternar entre criação e realidade justamente porque a visão que o autor possui de si é fragmentada. Assim, a questão da representação é igualmente fragmentada, com o autor transitando entre vida e ficção. Tal pensamento é coerente também com as teorias pós-coloniais e um de seus objetos de estudo, a presença de um hibridismo nas identidades culturais. Em um mundo no qual é cada vez mais comum ver-se em um entrelugar, torna-se mais fácil criar um personagem cuja posição oscila entre ficção e realidade.