No capítulo introdutório “Latin American Imagined Communities and the Postmodern Challenge” (1994), a crítica canadense Amaryll Chanady faz uma revisão ampla das interpretações da identidade latino-americana e orienta o conceito operativo de “hibridez” (“hybridity”) nas propostas pós-estruralistas de Derrida e as pós-coloniais de Bhabha que também refere a ideia de “comunidade imaginada” de Anderson. Nessa comunicação, comentarei o destaque que o capítulo faz ao ensaio “Calibán” (1972) do crítico cubano Roberto Fernández Retamar. Ali, uma lista longa de nomes —que inclui o índio inca Túpac Amaru, o negro haitiano Toussaint-Louverture e o hispano-americano chileno Pablo Neruda— é valorizada pela autora como uma ilustração do discurso identitário que oscila simultaneamente entre a crítica do poder (neo)colonial e a “homogeneização” cultural (CHANADY, 1994, p. xv). A complexidade da identidade se encontra não só na bibliografia primária dos textos, por exemplo, dos escritores do século XIX e XX, mas também na bibliografia secundária dos textos teóricos como esse ensaio. Ao citar a lista de nomes como objeto de estudo, o movimento metodológico que opera converte textos secundários em primários para obter um efeito de historicidade sobre o próprio debate teórico agora como “parte” da identidade latino-americana. Nos anos 1990, quando o capítulo foi escrito, o calor das discussões pós-estruturalistas e pós-coloniais alimentavam, como ainda continuam no momento atual, a explicação da complexidade conceitual e metodológica do debate por causa da sua capacidade de encontrar aquele efeito de historicidade. Em primeiro lugar, para compreender o movimento metodológico do capítulo da crítica canadense, aprecio a diferença de uso entre a mencionada lista de Retamar e dois modelos interpretativos, a saber, a transculturação (1982) de Ángel Rama, que propõe a síntese de formas, e a heterogeneidade (1994) de Antonio Cornejo Polar, que reconhece o convívio tenso entre elementos, o que mostra a “diversidade” interpretativa. Em segundo lugar, para “historizar” essas duas interpretações e o capítulo referido, aprecio o marco mundial que precede ou sucede os três textos ocorrido nos anos 1989 e 1991, respectivamente, a queda do muro de Berlim e o fim da URSS. Trata-se de observar a relação entre a visão triunfalista neoliberal dos 90 e o debate teórico sobre a identidade latino-americana na época, passados vinte e cinco anos já e ocorridas a emergência do “socialismo do século XXI” e a crise financeira de 2008, ambas ainda em andamento ou desandamento. Tal observação faz lembrar o argumento de Edward Said no capítulo introdutório de Orientalism (1978) de que o trabalho acadêmico é sempre político e nunca neutro. Explicar isso, é apenas um dos desafios.