Pathé-Baby (1926) marca a estreia editorial de António de Alcântara Machado (1901-1935). Também publicadas (em parte) no Jornal do Comércio, de São Paulo, estas crônicas de sua viagem à Europa, em 1925, são aqui analisadas a partir de sua estreita ligação com a estética futurista, enfocando seu intenso e inovador diálogo entre literatura, cidade, cinema e artes plásticas, em que se destacam o ritmo alucinante (flashes), a busca pelo novo (o moderno) e as ironias às cidades-museus do Velho Mundo visitadas pelo cronista-flâneur. A montagem de seus textos, compostos de cortes e planos distintos, captando, ora em close, ora em panorama, o que se passava ao redor, mostra-se muito mais próxima das linguagens cinematográfica e jornalística do nascente século XX do que da tessitura romanesca fin-de-siècle (algo, aliás, típico da estética modernista, que rompe com a linearidade realista): como afirma Oswald de Andrade (1983, p. 40) em sua Carta-oceano, “Pathé-Baby é reportagem”, a qual nos exibe o cotidiano de uma “Europa gostosa ridícula” (p. 40), enquadrada pelo olhar arguto de Machado, sempre à procura, como veremos, do moderno, da vanguarda; um olhar que busca dar visibilidade ao presente, e não ao passado, e que, para tanto, apropria-se do que havia de mais moderno à época em termos de linguagem estética: o cinema. A metáfora do narrador-cinegrafista, portanto, associada à do cronista-flâneur (que lê e escreve a cidade como um discurso), proporciona a Machado uma liberdade narrativa ímpar, permitindo-lhe um olhar ora difuso/panorâmico ora focal que implica a descontinuidade das cenas narradas, numa tentativa de simultaneidade revelada pela operação constante de tomadas, cortes e montagem até se chegar ao texto final, prosa cinematográfica por excelência. Se o diálogo com o cinema, aplicado à sua escrita, aproxima Machado do Cubismo e do Surrealismo, pela pluralidade de ângulos, pela velocidade e pelo simultaneísmo com que são vistas as cenas, ou pela descontinuidade e fragmentação do enredo que mescla cortes e montagens (a “sintaxe metonímica”, nas palavras de Renato Cordeiro Gomes [2002, p. 102]), é com a lente do Futurismo que o autor documenta as cidades europeias, opondo, a todo o momento, o passado e o presente, o antigo e o moderno que nelas coabitam, num cenário de efervescência cultural e ideológica cultivado em meio e após a I Guerra Mundial, cenário esse que culminaria, alguns anos mais tarde, com a II Grande Guerra – que Alcântara Machado nunca chegaria a ver. O cinelivro machadiano, assim, sustenta-se sobre um tripé perfeitamente sintetizado por seu título. Tal qual a câmera francesa – moderna, portátil e permitindo diferentes tomadas de imagens –, a proposta de Alcântara Machado é também ela inovadora: areja a língua portuguesa, ao dinamizá-la e simplificá-la – modernizá-la –, e percorre o olhar enquanto deambula por cidades as mais variadas, sempre o direcionando para o novo.
Palavras-chave: ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO, INTERMIDIALIDADE, MODERNISMO BRASILEIRO, VANGUARDA