Inserido na tradição literária regionalista brasileira, o romance Fogo morto (1943), de José Lins do Rego, é considerado pela crítica como uma expressão madura não só do conjunto de obras escrito pelo autor, como também do movimento ao qual ele pertenceu. Por ter assumido inicialmente um espírito combativo às ideias modernistas de 1922 e, ao lado de Gilberto Freyre, ter se tornado um dos principais defensores de um novo modelo de escrita literária, ele se tornou um dos escritores-chave para se compreender esse histórico movimento que promoveu uma transformação canônica na literatura brasileira. Este fato teve considerável repercussão entre os países africanos de língua portuguesa, cujos escritores e intelectuais, ávidos pela conquista de suas autonomias tanto no campo das letras, quanto no da política, incorporaram, remanejando em função dos seus próprios processos de renovação, alguns princípios do novo modelo literário brasileiro. O romancista e contista da literatura cabo-verdiana Henrique Teixeira de Sousa, autor de Ilhéu de Contenda (1978), pertenceu à geração de escritores "claridosos" que, por meio da constituição de uma revista de literatura e cultura, a Claridade (1936-1960), iniciou um profícuo diálogo com a literatura e cultura brasileira, tendo como um de seus intermediários o diplomata e poeta Ribeiro Couto e, a partir da década de 1950, o sociólogo e professor Fernando Augusto Albuquerque Mourão. Constituiu-se, assim, um intenso fluxo moderno de trocas materiais e simbólicas entre esses países de língua oficial portuguesa, que tem sido um amplo campo de pesquisa aos estudos comparatistas. Tendo em vista que a orientação regionalista visou explorar o espaço, sobretudo por meio da manipulação e experimentação da forma romanesca, pode-se dizer que, ideologicamente, ela se solidificou sobre uma dupla articulação no processo de promoção do significado elaborada em consonância com o espaço regional e as peculiaridades que o caracterizavam. Procedimento que interessava aos novos escritores e poetas das literaturas dos países africanos de língua portuguesa na tentativa de superarem em parte suas condições coloniais e de dependência, transpondo para o texto esteticamente elaborado questões de ordem local e nacional. Este trabalho visa, portanto, além de apontar e analisar as tensões em torno dessa dúplice articulação espacial nos dois romances especificamente, contribuir ainda para o debate do fenômeno literário em termos macroestruturais.
Palavras-chave: LITERATURA COMPARADA, REGIONALISMO, ESPAÇO, SIGNIFICAÇÃO