Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
QUANDO O CARNAVAL CARIOCA DEVOROU “O REI DA VELA”
LEONARDO AUGUSTO BORA
No carnaval de 2002, a escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, sob o comando artístico da carnavalesca Rosa Magalhães (filha dos escritores Raimundo Magalhães Júnior e Lúcia Benedetti), levou para a Passarela do Samba um enredo bastante sofisticado sobre a antropofagia cultural. Intitulada “Goytacazes: Tupi or not Tupi, in a South American Way!”, a narrativa começava com a tradução alegórica das cartas dos cronistas André Thevet, Jean de Léry e Hans Staden, passava pelo romantismo alencariano (e pela associação entre o canibalismo e o signo onça, presente em “O Guarani”), deglutia o “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade (em estreito diálogo com as telas de Tarsila do Amaral) e, por fim, apresentava aos espectadores a “geleia geral” tropicalista – a chamada “neoantropofagia”. Nessa última parte da apresentação, misturavam-se as canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil, o filme “Macunaíma”, protagonizado por Grande Otelo, a redescoberta dos musicais de Carmen Miranda (“Pequena Notável” e “Brazilian Bombshell”) e a montagem da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, em 1967 – montagem esta que, segundo os relatos de Caetano Veloso na autobiografia “Verdade Tropical”, serviu como um dos estopins (juntamente com as criações de Hélio Oiticica e com a exibição de “Terra em Transe”, expoente do Cinema Novo) para a explosão da Tropicália. Observando tal caldeirão de referências e desdobramentos intersemióticos, o que se pretende, neste trabalho, é levantar questionamentos sobre as estratégias narrativas utilizadas pela autora Rosa Magalhães ao propor o diálogo entre o texto oswaldiano de “O Rei da Vela” e demais manifestações artísticas, como as canções tropicalistas, as películas de Glauber Rocha e de Joaquim Pedro de Andrade, as hollywoodianas aparições de Carmen Miranda, num contexto popular e anticanônico por excelência. Mais do que isso, pretende-se pensar o lugar do carnaval carioca (e do desfile das escolas de samba, em específico) no cenário artístico nacional. Evento multifacetado que articula os mais diferentes agentes em torno das agremiações, um desfile de escola de samba pode ser compreendido enquanto “obra de arte total” (o wagneriano conceito de gesamtkunstwerk), conforme o proposto por pesquisadores como Isaac Caetano Montes, na esteira do que sugere Silviano Santiago para a compreensão da Semana de 22. Refletir acerca dos complexos diálogos interartes observáveis no interior de uma apresentação carnavalesca (a articulação entre música, dança, artes plásticas, literatura, cinema, artes cênicas, etc.), espécie de “ópera popular” (segundo a célebre proposição de Joãosinho Trinta), muito pode contribuir para que os limites do texto escrito sejam relativizados. Nesse ponto, a obra de Rosa Magalhães, marcada pela experimentação narrativa e pela não-facilitação dos discursos, pode ser uma peça-chave. Do diálogo foliônico entre Oswald de Andrade e demais manifestações artísticas podem brotar novas e instigantes antropofagias.
Palavras-chave: INTERSEMIOSE, CARNAVAL, INTERARTES, ANTROPOFAGIA
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