Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
CLARICE LISPECTOR E KONSTANTIN STANISLAVSKI: A VIDA NA ARTE.
MÔNICA DE JESUS LOPES, IGOR ROSSONI
A escritora Clarice Lispector parece compactuar com a literatura a cumplicidade de escrever sobre universo humano. A autora, embora tenha a escrita caracterizada pela forma enviesada, muitas vezes dissimulativa, jamais deixou de penetrar as angústias e inquietações que marcam a dramaticidade da vida cotidiana. Desfilam na obra pessoas que protagonizam histórias e carregam em si a marca indelével da escritora por se lançar, incontinente, ao entendimento da essencialidade dos seres e das coisas. Para tanto, não é distante pensar que sugere jogo cênico de máscaras teatrais, no sentido de desdobrar o eu em vários eus. As personagens, como ela própria, não podem sustentar o desnudamento; metamorfosear-se, portanto, pode apresentar-se como procedimento de sobrevivência. O exercício da máscara teatral promove nas personagens claricianas transformações necessárias a uma existência multifacetada e, portanto, mais significativa. O uso desse artifício possibilita o desdobramento do indivíduo, afastando-o do caráter alienante das imposições sociais. Ao pesquisar sobre o jogo de máscara na arte teatral, chega-se às teorias do teatrólogo russo, Konstantin Stanislaviski que revolucionou a história do teatro, trazendo para o palco o espírito humano. Se para Clarice Lispector viver é escrever e escrever é procurar; para Stanislavski viver é encenar e encenar é transformar a vida em obra prima de arte; a verdade da arte é sempre maior que a verdade da vida. Assim, ao que sugerem, tanto a escritora como o dramaturgista estão em busca da verdade: Clarice quer descobrir o que está por trás das máscaras, investigação interminável; Stanislavski busca a verdade cênica a qual consegue representar no palco. Neste sentido, encontram-se em percursos que, por se afastarem, tanto mais se encontram, vez que se constituem enquanto equações destinadas ao caminho da verdade e da essência da condição humana. Se, por um lado, no princípio de Stanislavski situa-se a busca pela revelação na vivência plena da cena do palco; no discurso clariciano, efeito similar se constitui na razão da própria busca, ou seja, pelo fracasso da linguagem, fracassa a expectativa e, assim, abre-se espaço abismal para o estado-profundo suscitado pelo processo revelador da vivência epifânica. O diálogo que se estabelece com Konstantin Stanislavski consiste, no âmbito desta pesquisa, adotar o conceito de “máscara teatral”, defendido pelo dramaturgista e a relação persona-personagem-pessoa. A máscara teatral, enquanto signo de transmutação, discutida no sistema stanislavskiano, é uma das questões mais significativas da arte dramática, vez que a personagem é concebida como extensão da própria natureza humana. Assim, o ator livra-se da interpretação caricata ao mesmo tempo em que aproxima vida e arte. Stanislavski coaduna com o modo de Clarice Lispector conceber a personagem, revestido de uma preocupação filosófica-existencial. Por sugestão, a ambos cabe o recorrente questionamento: "O que eu sou?”. Na Rússia do final do século XIX, destinou-se ao teatro função terapêutica; podia-se mudar o sujeito com os grandes espetáculos. Para Clarice, a literatura – narrativa ou dramática – lhe é "sopro de vida"; ao final de cada escrita, espera-se, desesperadamente, por novo texto e, no intervalo no qual se espera por renascer, morre-se: “Quando não escrevo, estou morta”.
Palavras-chave: CLARICE LISPECTOR, KONSTANTIN STANISLAVSKI, LITERATURA, MÁSCARA TEATRAL
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