Quais seriam as convergências entre o mineiro Jacques Fux (1977) e o consagrado escritor francês Serge Doubrovsky (1928), criador de um dos neologismos mais recorrentes e polêmicos da literatura contemporânea, o termo autoficção? Além da origem judaica comum, a constatação de que a literatura, para ambos, é um ato de coragem. E isso, pela escolha de temas de caráter íntimo ligados a tabus e preconceitos, como questões envolvendo impotência sexual e alcoolismo feminino. Este trabalho propõe uma reflexão sobre a maneira como esses escritores exploram a memória íntima, a criação de diferentes vozes e os jogos metatextuais. Trata-se de mostrar como a obra Brochadas (2015), de Jacques Fux, dialoga com Le Livre Brisé (1989), de Doubrovsky. A publicação brasileira é repleta de presenças literárias, de Marcel Proust a Georges Perec, passando por Borges, Bakhtin e muitos outros, mesmo que, algumas vezes, caiba ao leitor saber decifrar as referências. O subtítulo: “Confissões sexuais de um jovem escritor”, uma alusão clara e bem humorada às Confissões de um jovem romancista, de Umberto Eco, ilumina a obra de Fux na medida em que o italiano analisa e comenta algumas de suas próprias produções. Também em Brochadas, o narrador nomeado Jacques trata do ofício de escritor e dos limites da criação, além de questionar os mitos da virilidade masculina com ironia e erudição. Fux mescla relato pessoal, ensaio e correspondência virtual ao “conversar” com os próprios personagens por correio eletrônico e pedir-lhes que participem da obra. Ao embaralhar as cartas dessa maneira, o livro de Fux se articula ao de Doubrovsky pelo fato de o francês também criar uma estrutura narrativa de coescrita, inserindo a participação ativa de sua esposa Ilse. Capítulo após capítulo, a personagem-autora Ilse lê e comenta o texto do marido. Ela modifica o projeto inicial do narrador Serge e perturba tanto a forma quanto o conteúdo da obra, além de estabelecer um constante vai-e-vem entre as vozes narrativas. Essa é a estratégia igualmente presente em Brochadas, as “conversas” do narrador com suas “mulheres-capítulo” (FUX, 2014, p.177), assim como as intervenções de Ilse em Le Livre Brisé, criam no leitor uma ilusão de contemporaneidade entre escritura e experiência. Em ambas as publicações, as lacunas da memória, as lembranças difusas e as críticas ferrenhas de suas interlocutoras levam os narradores a teorizar sobre sua própria literatura. O trabalho busca mostrar convergências e apontar algumas distinções entre esses dois livros cujos autores transformam a impossibilidade de uma leitura unívoca sobre si mesmo em substrato da própria obra.
Palavras-chave: MEMÓRIA, SERGE DOUBROVSKY, JACQUES FUX, POLIFONIA