Este estudo aqui empreendido analisa duas obras literárias viabilizadas a partir dos massacres e genocídios perpetrados pelo sistema-mundo ao longo do século XX: “Antes que anoiteça”, do cubano Reinaldo Arenas ([1992], 2009) e “Eu, Pierre Seel, deportado homossexual”, do francês Pierre Seel ([1994], 2012). Ambos homossexuais e perseguidos, no primeiro caso, pelo regime de Fidel Castro e pelo preconceito em relação à Aids nos EUA, e no segundo caso pelo regime nazista da Segunda Guerra e pela França democrática até os anos 1990. Publicados nos anos 1990, entende-se estas obras como inseridas no contexto da literatura testemunhal (do trauma, da experiência-limite) e possibilitadas em primeiro lugar a partir da consolidação dos Estudos Culturais nos anos 1960 e 1970, mas principalmente a partir da emergência das narrativas subjetivas do homossexual vitimado pela Aids. É majoritariamente a partir dos 1980 que o texto homossexual de testemunho, autoficcional e autobiográfico começa a surgir com força e até hoje transforma-se e mantém-se como movimento identitário. É necessário, ainda, elaborar uma distinção do que significa uma literatura “testemunhal”, “autoficcional” e “autobiográfica”, vide que estes dois livros convergem no que convencionou-se chamar por “testemunho”: texto do ser cindido pelo trauma, que deseja narrar-se e narrar a sua experiência-limite, mas que encontra limitações no que diz respeito à representação do irrepresentável (a Aids, o campo de concentração). Sujeito esse que é tanto vítima da experiência como também testemunha dela (PENNA, 2013, p.91). Narrativa do eu testemunhal que não pode ser confundida com uma simples narrativa do eu, vide seu “lamento paralelo” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p.79), que seria o lamento do traumático. Literatura de testemunho que é ato ético e estético e envolvida no entrecruzamento do histórico, psicanalítico e literário. Da mesma forma, analisar Arenas e Seel é analisar a teoria do testemunho em si, que considera haver o “testimonio” (testemunho da América Latina) e a “Shoah” (testemunho da Segunda Guerra). Comparar Arenas e Seel é, em primeira instância, questionar esta dicotomia e analisar um testemunho para além de enquadramentos que o distinguem, mas sim possibilitar uma aproximação (MARCO, 2006, p.51) dos textos gays. O que pretende-se aqui fazer com o estudo de livros escritos por homossexuais traumatizados ao longo do século XX? Entender a maneira como o econômico e o político, seja capitalista ou comunista, supostamente democrático ou não, perpetrou a aniquilação do homossexual e proporcionou a cisão do sujeito que encontrou, na literatura, uma forma de salvação. Referências: ARENAS, Reinaldo. Antes que anoiteça. Trad. Irène Cubric. RJ: Record, [1992] 2009; MARCO, Valeria de. A literatura de testemunho e a violência de estado. In: Revista Lua Nova. SP: nº 62, 2004, p. 45-68; PENNA, João Camillo. Escritos da sobrevivência. RJ: 7Letras. 2013; SEEL, Pierre; LE BITOUX, Jean. Eu, Pierre Seel, deportado homossexual. Trad. Tiago Elídio. RJ: Cassará, [1994] 2012; SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. SP: Editora 34, 2005.
Palavras-chave: LITERATURA DE TESTEMUNHO, EXPERIÊNCIA-LIMITE, HOMOSSEXUALIDADE, TRAUMA