Em minha pesquisa de doutorado, trabalho com a hipótese de que existiu no Brasil, entre o fim dos anos de 1940 e início dos anos de 1960, uma escrita autobiográfica – predominantemente diarística – que cedeu espaço cada vez maior às afetividades, corporeidades e sexualidades homossexuais e delas se ocupou, tendo sido influenciada muito de perto pela produção autobiográfica de autores franceses como André Gide, Julien Green e Jean Genet, mas cuja existência, de um modo geral, reflete uma tendência de inclusão da temática homossexual no mundo das letras que vinha ocorrendo no mundo ocidental desde, pelo menos, a última década do século XIX, verificável até mesmo no Brasil. Esse momento, de uma primeira enunciação autobiográfica intencional da homossexualidade no Brasil pode, a meu ver, ser representado a partir do estudo do conjunto dos diários de três brasileiros: Lúcio Cardoso (n. 1912), Harry Laus (n. 1922) e Walmir Ayala (n. 1933). Os três autores, apesar de escreverem uma considerável parte de seus diários em momentos coincidentes ou muitíssimo próximos, não têm, contudo, uma uniformidade de proposta e expressão no que diz respeito à abordagem da homossexualidade, apresentando assim atitudes distintas diante de um mesmo contexto, numa série de idas e vindas, avanços e retrocessos, o que torna seus escritos autobiográficos capazes de registrar as nuances no pensamento e na escrita sobre o homossexual no Brasil num momento decisivo. Chamo decisivo a este momento por ser ele inaugural, por ser consideravelmente anterior aos movimentos de lutas por direitos civis e ainda por ser justamente na década de 1950 que a escrita autobiográfica receberia um grande impulso no país, como constatei em minha pesquisa de mestrado. Entre os pontos de divergência e aproximação através dos quais procuro ler os diários de Cardoso, Ayala e Laus, dedico-me, nesse momento, a um estudo sobre o modo como os três autores pensam e executam a prática diarística em relação com sua produção literária. Questiono qual o lugar ocupado pela escrita autobiográfica no conjunto de suas obras, se ele é interno ou externo, e em que medida os diários são importantes para a compreensão de seus outros textos literários, quer sejam eles ficcionais, poéticos ou dramáticos. Proponho investigar o modo como os três aproximam o diário, às vezes mais, às vezes menos, de seus outros escritos e o tomam como um espaço de construção de uma determinada imagem de intelectual. A escrita diarística funcionaria, nesse contexto, como laboratório de escrita, seja como parte da obra ou como ensaio para aquela que é considerada como a “verdadeira” obra literária, seja como um livro de registro de leituras. Toco, ainda, na questão do modelo que parece servir a esses três diários de escritor, o do “Journal” de André Gide, de quem os três autores foram leitores assíduos.
Palavras-chave: ESCRITAS DE SI, HOMOSSEXUALIDADE, LITERATURA BRASILEIRA