Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A MORTE QUE NÃO CESSA: O LUTO E A LITERATURA PÓS-DITATORIAL
LUA GILL DA CRUZ
Diante do imperativo de Walter Benjamin de “escovar a história a contrapelo”, ou seja, de escrever os eventos históricos do ponto de vista dos vencidos, aponta-se a necessidade de articular a história a partir dos restos, das reminiscências, de forma a estabelecer uma relação com o passado, a partir da rememoração, também dos mortos e dos esquecidos pela história. Há a necessidade de uma memória ativa, portanto, que se oponha ao recalcamento e ao bloqueio do trabalho de luto. No caso da ditadura civil-militar brasileira, o recalcamento do passado é característico e as artes e a literatura, ao contrário da justiça e da história, parecem ser o espaço que abriga o sofrimento, que garante a voz aos derrotados e às suas feridas, e permanecem como forma de resistência perante a barbárie. Na literatura pós-ditatorial, o prefixo “pós” refere-se não a um passado superado, mas ao contrário; ao habitar o presente, a literatura vive a catástrofe e todas as consequências desse passado do qual não consegue se desvencilhar. A literatura aponta, dessa forma, para outra possibilidade de história, como uma espécie de retradução, na qual o “não formulado” pode se revelar, não como verdade, mas a partir do fragmentário, como versão. O corpus literário desta comunicação é a obra de Beatriz Bracher, “Não falei” (2004), e de Bernardo Kucinski, “K.” (2014). Os dois textos, escritos mais de quarenta anos depois do golpe militar, apontam para o presente da inscrição traumática e para a necessidade individual e coletiva de realizar o trabalho de luto de seus mortos. O imperativo pós-ditatorial é, por excelência, o imperativo da realização do luto. As duas narrativas centram-se nas experiências brutais da ausência de entes queridos e na necessidade de elaboração da experiência traumática, ou seja, aquela que a compreensão escapa, que não pode ser assimilada assim que acontece e se coloca, portanto, no espaço do irrepresentável, mas que ao mesmo tempo, não pode se furtar do dizer. A arte, no entanto, não pode realizar ou finalizar o luto – pois é um trabalho contínuo, ou oferecer uma “cura”, mas pode colaborar com o processo, questionar o esquecimento e ajudar o enlutado a se reconectar com o presente. A arte como forma de elaboração, e esses dois textos em particular, estão diretamente relacionados à questão do luto e à necessidade de, literariamente, simbolizar: a rememoração das identidades perdidas; a injustiça frente à violência de Estado; o retorno aos momentos históricos; o trabalho de luto em si; e ainda compartilhar a história individual de maneira a tornar-se coletiva. A partir das premissas aqui colocadas, pretendo debater em que medida as perdas e as formas de elaboração da ferida psíquica estruturam os textos literários “K.” e “Não falei”. Para fundamentar a discussão, me atenho às teorias de Freud, Caruth, Avelar e Seligmann-Silva.
Palavras-chave: LITERATURA CONTEMPORÂNEA, DITADURA MILITAR, TESTEMUNHO
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