FILLIPE AUGUSTO GALETI MAURO, ALEXANDRE BEBIANO DE ALMEIDA
Esta proposta de comunicação visa realizar uma análise comparativa dos perfis que foram produzidos pelo dramaturgo Jorge Andrade entre 1969 e 1972 para a revista Realidade e dos portraits que Marcel Proust publicou em jornais e revistas da Belle Époque. Também procura refletir sobre as formas pelas quais tais escritos jornalístico-literários participaram do amadurecimento das técnicas descritivas desses dois autores, contribuindo na constituição de romances, como o ciclo Em busca do tempo perdido e Labirinto, publicado por Jorge Andrade em 1978. Com o advento do AI-5 em 1968, a revista Realidade empregou uma série de estratégias para modificar a redação de suas reportagens e driblar a censura do Regime Militar. Um desses recursos está presente nos perfis escritos por Jorge Andrade. Para retratar intelectuais, artistas e personalidades mundanas, o escritor passa a recorrer a mais recursos literários. Nossa hipótese é que esses recursos estão presentes igualmente nos portraits que o escritor francês Marcel Proust publicou na imprensa da Belle Époque parisiense, quais sejam: o aprofundamento de traços sentimentais e psicológicos de seus entrevistados, e uma forte valorização do memorialismo. O recurso à memória surge nos perfis de Jorge Andrade como instrumento que permite fundir o delineamento dinâmico dos traços físicos e sociais às qualidades e sentimentos da personalidade, seja do retratado ou do retratista. O termo “retrato” não é aqui mera opção estilística. Revela a preferência de Jorge Andrade por tal classificação em detrimento da nomenclatura “perfil”, e condiz com o gênero desenvolvido na virada do século XIX ao XX por um escritor como Proust, que marcou traços de sua subjetividade (de Jorge Andrade) de modo indelével. Marcel Proust foi autor de retratos que se inserem na longa tradição do portrait littéraire francês. Seus portraits, escritos para a imprensa parisiense nos últimos anos do século XIX e na primeira década do século XX, constituem uma parcela representativa de sua produção jornalística literária. São textos breves, elaborados para publicações como Le Figaro, Le Gaulois e La Presse. Eles descrevem personagens célebres da vida cultural e da alta sociedade de Paris. O memorialismo se faz notar neles pelo recurso a experiências pessoais daquele que é retratado e também daquele que redige a reportagem. Nesses retratos, a memória lança luz sobre permanências e mudanças em nossas vidas, afetando a personalidade de retratados e de retratistas. Embora o portrait ou o perfil façam parte de um gênero que remonta aos autores das cortes francesas do século XVII, partimos do pressuposto que não constitui um gênero autônomo, e que os recursos estilísticos empregados nele podem ser reconhecidos também em narrativas romanescas e memorialistas. Tentaremos determinar, assim, o papel que esses retratos e perfis desempenharam no amadurecimento do projeto artístico dos dois escritores; noutras palavras, o que esses artigos jornalísticos puderam trazer, do ponto de vista experimental e artístico, para suas obras de maior pretensão literária.
Palavras-chave: MARCEL PROUST, JORGE ANDRADE, REVISTA REALIDADE, PORTRAIT LITTÉRAIRE